Março incendiado: ATR

Em apenas uma semana de março, quem se interessa por sons ruidosos provenientes de diferentes contextos terá uma sequência inimaginável para conferir: John Zorn (17); Atari Teenage Riot (23); e Ken Vandermark (24). É provável que apenas uma pequena parcela do público acabe por se interessar pelas três expressões artísticas. Mesmo dentre os músicos, muitas vezes superar barreiras estilísticas não é algo simples. Zorn é um que faz isso com propriedade, basta ver sua união com o baterista Mick Harris (ex-Napalm Death) que rendeu o trio Painkiller. Esses encontros que os fãs (de um lado e outro) muitas vezes não se dão conta incluem interessantes casos: podemos lembrar do saxofonista Mars Williams, que passou por ‘Vandermark 5’ e ‘Brotzmann Chicago Tentet’, além de tocar/gravar com o Ministry; ou Charles Gayle aparecendo em disco da Rollins Band; e os caras do Borbetomagus em álbum do Sonic Youth; o violoncelista Tom Cora com o The Ex; Jason Pierce (Spacemen 3, Spiritualized) com Matthew Shipp; Don Cherry e Lou Reed (“Bells”), por aí vai... E falando de um que desembarca em breve: um encontro até óbvio (no sentido de casamento sonoro), no palco do CBGB: Merzbow, mito do noise contemporâneo, com Alec Empire, a base do Atari Teenage Riot (ATR). Isso foi em 98, no auge da banda-símbolo do digital hardcore, antes de o ATR se desintegrar e passar quase uma década em silêncio... até o recente retorno.


(ATR, 'Too Dead for Me', 1999)


Quando Alec Empire resolveu entrar em estúdio e retomar o Atari Teenage Riot, em 2010, colocou antigos e novos devotos em agito. Fora o inevitável “vale à pena voltarem? trarão algo de novo?”, havia buracos reais no processo: um dos fundadores do grupo, Carl Crack, havia morrido em 2001; além dessa tragédia, a bomba: a vocalista Hanin Elias, uma das faces do ATR, não retornaria. Envolvida com seus projetos, resolveu deixar o ATR no passado. Do quarteto que encerrara as atividades no começo dos 2000, restavam apenas Empire e Nic Endo, a discreta musa noise, sempre escondida no fundo do palco, concentrada em esmigalhar suas intervenções eletrônicas.

Nic Endo se aproximou do ATR lá para 97, quando a banda já tinha prestígio e passava a rodar o mundo. Mas sua entrada não representou apenas um novo (belo) rosto para a banda: o que a americana filha de mãe japonesa e pai alemão trouxe foi uma descarga noise que, para surpresa de alguns, ainda faltava ao grupo. Apesar do peso e da rapidez característicos do som do ATR desde seus primórdios –Empire começou a formatar o grupo em 92–, eles não tinham feito um mergulho serio na esfera noise. A festiva celebração anarco-punk de “Kids are United”, a levada jungle/drum’n’ bass de “Raverbashing” ou os samples de guitarra e beats aceleradíssimos de “Speed”, marcos dos primeiros tempos, amansariam quando emparelhados com os temas de 60 Second Wipe Out, lançado em 99, já permeados pelo noise agudo conduzido por Ms. Endo. Em paralelo a esse álbum, Endo havia estreado com o EP solo White Heat, de 98, exploração noise-abstrata na qual exibia a massa bruta de experimentações ruidosas que levou ao som do ATR.



(ATR. ‘Sick To Death’ at Fusion Festival 2010.)

Quem encarou de forma descompromissada os registros do ATR talvez não tenha se dado conta da aguda mudança que toma a música deles após a entrada de Endo. Mesmo uma escutada aos temas “clássicos” de '60 Second Wipe Out' ("Too Dead for me", "Revolution Action", "Digital Hardcore") revelam essa intromissão exasperada de cacofonia, que acabaria por levar a banda a extremos como o captado em 99, concerto no Brixton Academy, editado em disco como Live at Brixton Academy 1999, que traz apenas uma longa experimentação noise de 26 minutos. Por essa perspectiva, o retorno do ATR em 2010 e o disco novo em 2011 (“Is This Hyperreal?”), com Empire e Endo no comando, talvez decepcione um pouco: fica claro que o limite do som deles se deu na virada dos 90/00; agora, apesar do peso e da aceleração inevitáveis, optaram por um diálogo mais certeiro (sem que os resultados se fundam) com as primeiras investidas, algo mais eletrônico, mais pista, menos ruidosamente demolidor e desesperante. Em recente entrevista, Empire demonstra consciência em relação a esses processos. O músico afirma que o som do ATR se equilibra  entre pesadas "canções" (mais cantaroláveis e dançáveis) e experiências noise, revela sua admiração pelo japanoise (cita Masonna, Merzbow, Keiji Haino) e fala sobre seguir sem Hanin... É um outro tempo. Os ‘hits’ de hoje (“Active”, “Black Flag”, “Collapse of History”) não fazem concorrência aos ‘hits’ passados... Mas o grupo tem mostrado que ainda pode fazer apresentações desconcertantes, com Nic Endo à frente, dona dos vocais e do palco, na medida para o ATR, sem deixar desespedaramente saudosos (é possível? parece que sim) os fãs de Hanin Elias...