Passagem pela Islândia: Hilmar Jensson


Eles nasceram na mesma época, anos 1960, na congelante cidade de Reykjavik, capital da Islândia, em um período em que o minúsculo país era apenas uma nação jovem, que havia conquistado a independência da Dinamarca há recentes duas décadas. Dentre a tímida população islandesa, que contava com aproximados 200 mil habitantes, os dois buscariam abrigo no mesmo pólo, sonhando com o mesmo futuro: o mundo musical se tornaria opção única para eles, independente de como a arte de cada um seria acolhida. Enquanto ele terminava seus estudos na FIH School of Music, ela gravava o disco que abriria as portas do mundo à sua singular voz. No futuro: ela, Björk Guðmundsdóttir (b.1965), se tornaria referência mundial, reconhecida e celebrada em todos os cantos. Ele, Hilmar Jensson (b.1966), guitarrista discreto e taciturno, por vezes ignorado mesmo dentre o restrito público do marginal campo sonoro que abraçou. Nunca se encontraram no palco, nunca gravaram juntos. A música, sempre: mas escolhas, rumos e destinos outros, parcelas distintas do universo artístico reservadas a cada um deles...

Hilmar Jensson deixou a Islândia na virada dos 80/90, rumo aos EUA. Sua intenção era a de seguir os estudos em jazz. Destino óbvio: o Berklee College of Music, onde recebeu o diploma em 1991. Mas Jensson não estava fadado a se tornar propriamente um guitarrista de jazz: experimentar novos campos paralelos era o que o atraía. Nos corredores de Berklee acabou por encontrar um parceiro fundamental, o baterista americano Jim Black, com quem dividiria muitas investidas dali a diante. Black estaria presente para dar suporte já em “Dofinn”, seu disco de estreia captado em 95. Um pouco antes disso, Jensson já havia circulado bastante pelo underground nova-iorquino, onde conheceu músicos com quem compartilharia ideias no futuro.

Em 1994, rumou de volta à sua cidade natal, onde desenvolveu projetos para agitar um pouco a tímida –especialmente em comparação ao pop-rock local– cena free/jazzística. Em paralelo, manteve parcerias diversas com músicos americanos e europeus –dentre os quais, Tim Berne, Chris Speed, Wadada Leo Smith, Peter Evans, John Zorn e Carlos Zíngaro–, que resultaram em aparições em uns 40 discos. Com os americanos Andrew D’Angelo (saxofonista do fantástico Morthana) e Jim Black (membro do ‘Bloodcount’ de Berne), mantém um de seus mais interessantes projetos, o “Tyft”. O trio estreou em disco com o elogiadíssimo “Meg Nem As” (2006).

A guitarra climática de Jensson se mostra devedora de algo exalado por figuras como Henry Kaiser e Bill Frisell, invocando rumos amplos, que ora resvalam em certo sotaque rocker, com riffs e rítmos mais marcados, ora ecoam mais sujamente etéreos e com menos amarras ou mesmo com certos tiques de referência no wave, com viagens mais quebradiças –e tudo sem ignorar sua formação jazzística. Dofinn é um registro de estreia bastante maduro e promissor, para o qual colaborou irrestritamente o seleto grupo convocado. Produzido pelo então já renomado Tim Berne, o álbum exibe a generosidade do guitarrista: muitas vezes podemos esquecer que é ele quem comanda e assina a sessão. “Leidsong” é a melhor apresentação à sua guitarra, com longo espaço para o músico islandês exibir seu toque. “Skvaldur”, que abre os trabalhos em marcante sombra modern creative, reserva aos três saxofonistas que aparecem no disco momentos saborosos de encontro. Dofinn não é um álbum acentuadamente agressivo, nem de modos abstratos e divagantes (exceção: última faixa), devendo atrair os admiradores de Berne e Chris Speed, mais do que os fãs do Morthana de D’Angelo. Se sucesso não houve, nada de fama, coletivas, tapete vermelho ou aparições em TVs (realidade completamente avessa à de sua famosa conterrânea), ao menos Jensson conseguiu imprimir seu espaço no mundo que elegeu.
Ao menos nesse restrito gueto, Jensson pode ser ouvido e lembrado.


*Hilmar Jensson: guitar
*Tim Berne: alto (1,4,5)
*Chris Speed: tenor, clarinet
*Andrew D’Angelo: alto, bass clarinet (1,2)
*Skuli Sverrisson: electric bass
*Jim Black: drums

Recorded at Systems II, Brooklyn in June 1995. Produced by Tim Berne.