Era 11 de setembro de 2008 quando o francês Michel Portal se apresentou no festival “Tudo É Jazz”, na cidade de Ouro Preto. Então com 72 anos, Portal chegou acompanhado de piano, baixo e mais de quatro décadas de aventuras sonoras. Dentre o público brasileiro que estava presente, poucos deveriam ser os que conheciam a trajetória do multi-instrumentista francês –um dos grandes experimentadores europeus vivos–, considerando-se o perfil tradicionalista do simpático evento musical e de seus visitantes. Em matéria publicada no jornal Estado de Minas na época, foi escrito: “O saxofonista Michel Portal impressionou a todos com sua concentração. Em sintonia perfeita com o pianista Bojan Z e o baixista Bruno Chevillon, ele parecia quase em estado de transe no palco. [Mas] Antes de dar seu recado, reclamou do som do camarote Vip, que insistia em invadir e atrapalhar sua performance.” (os seguranças deveriam ser instruídos para arrastar gente ‘Vip’ dessa espécie para uma sala escura, na qual permaneceriam trancafiados até o final do espetáculo...). Perdão, Mr. Portal, por tamanho desrespeito.
Visitar a história de Michel Portal significa se deparar com uma jornada de desbravamento sonoro de abertura extensíssima. Nascido em novembro de 1935 em Bayonne, na região basca francesa, Portal estudou no Conservatório de Paris, especializando-se no clarinete. Depois, abriria sua palheta adicionando clarone, saxofones, tarogato e o bandoneon. Seus passos na música podem ser concretamente acompanhados apenas a partir de meados da década de 1960, quando começou a ter seu trabalho registrado. Dessa etapa, vem muito de suas investigações mais instigantes. Portal não foi apenas um dos nomes quentes do free jazz europeu nascente e um dos iniciadores da free improvisation na França. Em paralelo, manteve constante parceria com o cenário erudito contemporâneo, tendo protagonizado estreias de peças centrais de Pierre Boulez (“Domaines”), Karlheinz Stockhausen (“Aus den sieben Tagen”) e Luciano Berio (“Laborintus II”). E nessa seara, nem só de ‘contemporâneo’ se fez o músico: ele também deixou interpretações de clássicos, como Mozart, Brahms, Schumann e Prokofiev, sempre focado no clarinete, para importantes selos (Harmonia Mundi, EMI).
Além disso, se tornou notório compositor de trilhas sonoras, tendo sido agraciado por três vezes com o prêmio ‘César’. Para completar a amplitude de sua criação, manteve também ouvidos atentos ao popular, externalizando seu apreço (como pode ser constatado em trabalhos desenvolvidos especialmente após a década de 1990) pela chanson francesa, a canção basca e o tango argentino.
Além disso, se tornou notório compositor de trilhas sonoras, tendo sido agraciado por três vezes com o prêmio ‘César’. Para completar a amplitude de sua criação, manteve também ouvidos atentos ao popular, externalizando seu apreço (como pode ser constatado em trabalhos desenvolvidos especialmente após a década de 1990) pela chanson francesa, a canção basca e o tango argentino.
No campo free/improv/jazzístico, Portal esteve associado a diferentes músicos –John Surman, Martial Solal, Barrre Phillips, Dave Liebman, Jack DeJohnette, Paul Motian, Han Bennink, Joachim Kühn –, além de tocar alguns projetos de peso. Em 1971, organizou o ‘Michel Portal Unit’, que tinha o intuito de reunir músicos europeus e americanos para desenvolverem investigações improvisativas. Pelo projeto passaram nomes como Albert Mangelsdorff, Pierre Favre e Beb Guérin; seu principal registro é “À Chateauvallon” (73). Um pouco antes disso, quem veio ao mundo foi o New Phonic Art.
Surgido em 1968, o New Phonic Art foi um quarteto de free improvisation que não escondia seu pé na esfera investigativa erudita de então. Em muito, pesava a participação do trombonista Vinko Globokar (foto) no projeto. Diferente de Portal, o trombonista não se abriu ao mundo do jazz, tornando-se um dos compositores e intérpretes destacados do avant-garde erudito nas décadas seguintes. Globokar estaria, em meados dos anos 1970, envolvido com o estabelecimento do mítico IRCAM, centro de estudos e pesquisas sonoras criado por Boulez em Paris.
O New Phonic Art se manteve ativo por alguns anos e fechava sua formação com o percussionista Jean-Pierre Drouet e o pianista Carlos Roqué Alsina, argentino que trabalhou com Iannis Xenakis, Bruno Maderna e Elliot Carter. O quarteto acabou por deixar parcos registros. Além deste álbum homônimo, o grupo aparece em um disco da Deutsche Grammophon de 73, ao lado de ‘Iskra 1903’ e ‘Wired’. Improvisação livre era o esquema que guiava o quarteto; não há aqui ligações ou encontros com o campo jazzístico. As peças se desenvolvem com grande amplitude e liberdade, sem esquemas que enquadrem as escolhas feitas pelos músicos. Sem solos pontuais, com o coletivo sendo o centro condutor, o New Phonic Art lidava com uma música de desenvolvimento lento, com pontos de ebulição espaçados no decorrer das faixas; o resultado deve encantar os já seduzidos por MEV, AMM e proximidades.
O New Phonic Art se manteve ativo por alguns anos e fechava sua formação com o percussionista Jean-Pierre Drouet e o pianista Carlos Roqué Alsina, argentino que trabalhou com Iannis Xenakis, Bruno Maderna e Elliot Carter. O quarteto acabou por deixar parcos registros. Além deste álbum homônimo, o grupo aparece em um disco da Deutsche Grammophon de 73, ao lado de ‘Iskra 1903’ e ‘Wired’. Improvisação livre era o esquema que guiava o quarteto; não há aqui ligações ou encontros com o campo jazzístico. As peças se desenvolvem com grande amplitude e liberdade, sem esquemas que enquadrem as escolhas feitas pelos músicos. Sem solos pontuais, com o coletivo sendo o centro condutor, o New Phonic Art lidava com uma música de desenvolvimento lento, com pontos de ebulição espaçados no decorrer das faixas; o resultado deve encantar os já seduzidos por MEV, AMM e proximidades.
*Michel Portal: clarinet (E-flat; B-flat), bass clarinet, saxes
*Vinko Globokar: trombone, oboe, alphorn
*Carlos Roqué Alsina: piano, organ, flute
*Jean-Pierre Drouet: percussion
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**photo M. Portal by Jean Loup Bertheau