Um pouco de voz para variar

Já me perguntaram o motivo de quase não haver espaços para a voz por aqui. Confesso que não sou dos mais empolgados com a voz clássica jazzística –nada contra, apenas não me seduz corriqueiramente (mas não me entendam mal: Ms. Holiday tem trono cativo). Se mudarmos a rotação para o campo erudito, a percepção se altera bruscamente: do barroco ao avant-garde, o deleite com o trabalho vocal é grande: das cantatas de Bach, dos lieder de Schubert às explorações de Stockhausen e Luigi Nono, o que não faltam são experiências de encantamento vocálico. E entre um e outro extremo, há a voz free jazzística. Abbey Lincoln, Linda Sharrock, Julie Tippetts, Leon Thomas, Juno Lewis cantarolando Kulu Se Mama, Fontella Bass com Art Ensemble of Chicago, Phil Minton, Sidsel Endresen, Junko: a lista de grandes figuras não é modesta. E dentre essas, uma das maiores: Jeanne Lee.

Natural de Nova York, Jeanne Lee (1939-2000) foi uma das mais expressivas vozes da free music. Em meados da década de 1950, entrou para o Bard College (NY) e por lá conheceu um de seus constantes parceiros, o pianista Ran Blake. Envolvida desde cedo com o pessoal do avant-garde, trombou com o alemão Gunter Hampel em uma turnê pela Europa no ano de 1967 e ficou por lá: acabaram por casar e desenvolver uma instigante cumplicidade musical, que se espalha por cerca de duas dezenas de álbuns. Jeanne gravou em diferentes contextos em sua vida com alguns dos maiores do free: sua trajetória discográfica registra encontros com Anthony Braxton, Sunny Murray, Marion Brown, Archie Shepp, Cecil Taylor, Carla Bley, Andrew Cyrille, Peter Kowald, Leo Smith, Marilyn Crispell, Dave Burrell, Daniel Carter, Malachi Favors, Charlie Haden, Julius Hemphill e Leroy Jenkins.

Suas emotivas interpretações oscilam entre vôos livres afinadíssimos, vocalizes, quebras silabares intrigantes e passagens nas quais exibe swing e profundidade timbrística. Aos 22 anos, estreou em gravações ao lado de Ran Blake (“The Newest Sound Around”). Na virada dos 60/70, brilhou ao lado de Gunter Hampel. Depois gravaria em seu próprio nome e passaria a dar atenção à sua faceta de compositora. Após concluir um ‘Master of Arts’ na New York University, em 1972, também começou a dedicar parte de seu tempo ao ensino. Ainda no fim dessa década, gravou o belo “Nuba” (79), ao lado de Cyrille e Jimmy Lions. Em 94, surpreendeu com um curioso disco de standards, "After Hours", (que contava com os temas “Caravan” e “Every Time We Say Goodbye”) em duo com o pianista Mal Waldron, sendo esse um de seus últimos registros. Sucumbiu ao câncer em 25 de outubro de 2000, na cidade de Tijuana, no México.

A estréia de Jeanne Lee como líder em disco está registrada neste encantador Conspiracy, gerado em 1974. Sam Rivers e Steve McCall estavam entre os convocados para a empreitada. Dos experimentos vocais de “Angel Chile” ao irresistível sabor (free) jazzístico de “Subway Coupe”, o álbum exibe as várias capacitadas interpretativas da cantora. Conspiracy é um finíssimo exemplar da obra de Jeanne Lee, infelizmente esquecido no mofo dos arquivos de alguma gravadora...



A1. Sundance (4:43)
A2. Yeh Come t'be (7:06)
A3. Jamaica (6:09)
A4. Subway Couple (2:57)
B1. The Miracle Is (2:14)
B2. Your Ballad (6:39)
B3. Angel Chile (6:53)
B4. Conspiracy (11:40)


*Jeanne Lee: vocals
*Gunter Hampel: vibraphone, bass clarinet, flute, piano
*Sam Rivers: saxes tenor / soprano
*Jack Gregg: bass
*Steve McCall: drums
*Allan Praskin, Perry Robinson: clarinet (B2)
*Mark Whitecage: clarinet alto (B2)
*Marty Cook: trombone (B2)

Ensemble tracks recorded at Sound Ideas Studio, New York, February 1974.
Solo tracks and mix: Blue Rock Studio and Good Vibration Studio, April and May 1974.