Um (antigo) saudável encontro: o jazz e o rock (II)

A vinda do 'The Bad Plus' ao país para shows nos próximos dias me fez lembrar que eles são muito citados e prestigiados por suas releituras de temas pop/rock. Particularmente, prefiro ouvir o The Bad Plus tocando seus próprios temas. Acho que suas versões ‘rockers’ se mostram muitas vezes aquém do que poderiam alcançar, como se essa fosse apenas uma fórmula que os tornou famosos e da qual não conseguem (ou não desejam) se desvencilhar. Desgosto especialmente do que fizeram com o Nirvana (“Smells Like Teen Spirit” e “Lithium”); já a melhor sacada deles talvez seja “Velouria” (Pixies). Aliás, este é o único tema que releram que não se trata de um “Top 10 pop/rock-hits” –algo no mínimo revelador em relação ao percurso/intenções do trio... Não à toa, o grupo se tornou bem conhecido por gente que não está habituada a se interessar por música instrumental. Com Rush, Tears for Fears, Abba e Black Sabbath no repertório, chegaram até a assinar com a Columbia... enfim...   

Utilizar temas pop/rock para releituras jazzístico-instrumentais têm se tornado uma “mania” entre músicos mais jovens, como bem apontou meu amigo Vagner Pitta em artigo/podcast no seu Farofa Moderna. E essa opção não é nova. Na década de 1980, Miles Davis tentou se aproximar do universo pop, tocando temas que eram sucesso nas vozes de Cindy Lauper (Time after Time) e Michael Jackson (Human Nature); de uma forma mais interessante, o também trompetista Lester Bowie, com seu “Brass Fantasy”, revisitou nos 80/90 James Brown, Michael Jackson e Marylin Manson.
Em tempos mais recentes, nos deparamos com ‘covers’ para Soundgarden e Radiohead (Brad Mehldau); Thom Yorke (Christian Scott); Björk (Jason Moran); e Pavement (James Carter).


Mas quem explora de forma mais visceral esse universo é Mats Gustafsson, com seu power trio escandinavo “The Thing”, formado em 2000 ao lado do baterista Paal Nilssen-Love e do baixista Ingebrigt Haker Flaten. Fazendo opções de repertório menos óbvias, o “The Thing” não se utiliza apenas das canções que seleciona para fazer leituras instrumentais: a energia, a potência e mesmo o desespero/melancolia originais (caso de sua visita à PJ Harvey) são transmutados para outro cosmo, sem perder o impacto de saída. Não conheço a relação dos músicos acima citados com o rock/pop, nem a real motivação de suas releituras. No caso de Gustafsson, seu envolvimento com o rock é próximo e vital. Como ele mesmo disse: “Isso é muito profundo e sincero, minhas raízes. Eu comecei em uma banda punk na adolescência... Agora faço algo diferente, mas espero que a dedicação e energia sejam as mesmas.
Bom frisar que o The Thing não é uma banda de covers de rock; estas compõem apenas uma face do grupo, sendo que não estão presentes em boa parte de seus cerca de 10 álbuns. As versões do The Thing aparecem nos discos “She Knows...” (2001), “Garage” (2004) e “Bag It” (2009).

Quem observar a seleção abaixo verá que as opções do trio escandinavo não são triviais (nada de Top 10!). Algumas das faixas devem ser até desconhecidas por muita gente –por isso, segue a versão original ao lado de cada releitura. “Art Star”, que abre o volume, faz parte de um EP da banda nova-iorquina Yeah Yeah Yeahs, datado de 2001. “Drop the Gun” é do grupo de meninas japonesas 54 Nude Honeys. Para “To Bring You My Love”, desesperada canção de PJ Harvey (foto), o grupo trouxe um convidado especialíssimo: Joe McPhee, ao trompete. A banda mais conhecida dessa seleção é o White Stripes, que é revisitada em um de seus temas menos pop, “Aluminum”. Para fechar, a leveza quase humorística de “Have Love Will Travel”, faixa de Richard Berry (1935-1997), mais conhecida na versão dos Sonics.


1. “Art Star”
2. “Art Star” (Yeah Yeah Yeahs)
3. “Drop the Gun”
4. “Drop the Gun” (54 Nude Honeys)
5. “To Bring You My Love”
6. “To Bring You My Love” (PJ Harvey)
7. “Aluminum”
8. “Aluminum” (White Stripes)
9. “Have Love Will Travel”
10. “Have Love Will Travel” (Richard Berry)

*photo (The Thing): Krzysztof Penarski