De quando Yoko Ono se deparou com o free jazz...

Yoko Ono sempre esteve envolvida com música, algo que representou uma importante via para ampliar seu trabalho primeiramente mais ligado às artes plásticas e performáticas. Os álbuns que publicou a partir do fim dos anos 1960 traziam experimentações bastante abertas. Apesar de nem sempre parecerem plenamente focados, os discos que foi lançando traziam interessantes momentos, amparados em uma vasta gama de processos criativos, refletindo experimentalismos que trazia das artes plásticas (e de sua proximidade com o grupo Fluxus), tempero rock, spoken word, ironia ácida, improvisação, pitadas eletrônicas e outros rumos mais – e não faltou nem um flerte com o mundo do free jazz

Era 29 de fevereiro de 1968 quando Yoko Ono se encontrou com o grupo de Ornette Coleman no palco do Albert Hall, em Londres. Ornette no trompete, acompanhado de nada menos que os baixistas Charlie Haden e David Izenzon, além de Ed Blackwell na bateria. Yoko trouxe ao grupo seu screeching vocal, marca constante em seus primeiros trabalhos. A artista japonesa e o pai do free jazz haviam se conhecido pouco tempo antes e tudo indica que essa foi a primeira vez que tocaram juntos. Do show restou, infelizmente, apenas o registro de uma faixa (“AOS”), que apareceu em um álbum da “Plastic Ono Band”. A apresentação completa contou com vários temas, como a clássica “Lonely Woman”, “Buddha Blues” e “Forgotten Children”. Há um CD duplo (“Complete 1968 Italian Tour”) com esse grupo, mas sem Yoko Ono, que foi captado na mesma turnê que originou a apresentação do Albert Hall. “AOS” é um registro interessante de uma época em que o free jazz vivia ainda uma época intensa, com a cena europeia em expansão, e captava a atenção de artistas de outras esferas.


Exatamente um ano depois Yoko Ono se encontrou no palco com outras duas figuras do free jazz: o saxofonista John Tchicai e o percussionista britânico John Stevens (um dos fundadores do seminal Spontaneous Music Ensemble). Um terceiro John estava presente: Mr. Lennon. Da reunião, restou uma peça, Cambridge 1969. Pena que os free jazzistas apareçam mais a partir da metade da peça, e que não haja, outra vez, registro completo da apresentação, apenas essa longa Cambridge 1969. A música naquela noite se estendeu por mais tempo que os 26 minutos que restaram registrados. Estavam presentes no evento outros músicos (Trevor Watts, Mongezi Feza, Barre Phillips, Willem Breuker) que teriam também se juntado depois a Yoko e Lennon. John Tchicai contou em uma entrevista o esquema que rolou naquela noite:

The concert was in two halves – the first half consisting of John and Yoko, the second was various jazz improvisers. At the end of our set they said: ‘If you would like to join us for some improvisation, please do,’ and that is what appears on the record. It wasn’t composed, it was all improvised and I think people were mostly enthusiastic. I’m sure many people found it strange, it was different to the regular music of the time.

É muito interessante ver John Lennon tratando a guitarra de maneira puramente ruidosa, improvisando, feedback guitar que deve ter deixado seus antigos fãs sem saber o que dizer. As camadas sonoras criadas por Lennon, que funcionam muito bem com a linha percussiva de Stevens, servem de base para Ono deslizar seu screeching vocal, que está ainda mais intenso e atravessa toda peça. 


1. “AOS” (7:07)

*Yoko Ono: vocal
*Ornette Coleman: trumpet
*Charlie Haden, David Izenzon: bass
*Ed Blackwell: drums

Recorded live at Albert Hall, London, Feb. 29, 1968


2. “Cambridge 1969” (26:32)

*Yoko Ono: vocal
*John Lennon: electric guitar
*John Tchicai: sax 
*John Stevens: drums

Recorded live at Lady Mitchell Hall, Cambridge, Mar. 2, 1969