Um músico, um instrumento (Solo IX)

Borah Bergman (1933, Brooklyn) não carrega a mesma fama de Cecil Taylor, Paul Bley ou mesmo de Muhal Richard Abrams –pianistas da free music de sua geração. Bergman é um músico tardio. Foi se dedicar ao piano apenas quando estava com mais de 20 anos de idade, além de ter surgido bem depois no cenário e estreado em disco somente na década de 70, quando contava com mais de 40 anos.

De toque singular, bem diferente do de outros free pianistas, Bergman desenvolveu uma técnica única que chamou de “ambi-ideation”, marcada pelo fluxo completamente distinto entre as mãos esquerda e direita, que gera camadas sonoras que muitas vezes fazem o ouvido decodificar (erroneamente) que há mais de um pianista em ação ao mesmo tempo.

Assumido herdeiro dos boppers Bud Powell e Thelonious Monk, sempre deixou transparecer a influência de Taylor em sua sonoridade. Bergman passou a se dedicar plenamente ao piano apenas quando já estava com 25 anos, após a morte de seu pai. Na juventude, estava centrado no clarinete. Sua estrada solitária levou-o a fazer de seus quatro primeiros álbuns, editados entre 75 e 84, trabalhos solistas. Entrado os anos 80, começou a aparecer de forma mais constante ao lado de figuras centrais do free jazz. Hoje é possível ver sua assinatura em trabalhos com Andrew Cyrille, Evan Parker, Roscoe Mitchell e Hamid Drake. Com Brotzmann e Anthony Braxton gravou o belo “Eight by Three”; com Ivo Perelman, “Geometry”.

O pianista lida com vasto repertório de ideias, tocando na mais alta velocidade que seu perfil de ambidestro permite. Destaque para o trabalho de sua mão esquerda que, para ele, deve operar com a mesma complexidade e intensidade da direita.

Tecnicamente eu fui muito longe, se comparar com meus primeiros tempos de músico. A “ambi-ideation” foi realmente relevante [nesse percurso]. Você não sabe ao certo o que são as idéias que rondam sua mente até que o instrumento as tire de lá. E daí você diz: era isso que eu estava imaginando?

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O primeiro dos rebentos de Borah é o álbum Discovery, captado em 1975. O músico conta que foi convidado pelo dono da gravadora Chiaroscuro para fazer o registro. Quando entrou no estúdio para gravá-lo, soube que Earl Hines (1903-1983) tinha usado o mesmo piano tempos antes, o que fez com que sentisse uma “boa energia” durante a solitária sessão. A faixa 1 (“Perpetual Springs”) concentra o melhor de Bergman; logo após uma breve introdução de dois minutos, o pianista ataca o teclado de forma extremamente acelerada criando, por mais de 15 minutos, um complexo auditivo vivamente intrigante. Nada melhor para ser apresentado à sua “ambi-ideation”.


A.  Perpetual Springs
B1.  Horse Opera
B2.  The Third Hand (First Improvisation For Left Hand Alone)

Release date: 1975.