Mr. Parker na área: algumas palavras

Não sabia que Yusef Lateef era tão famoso e querido no nosso país. Cerca de uma semana antes de seus concertos no Sesc, os ingressos já estavam esgotados. A mídia (impressos, sites, blogs) falou com entusiasmo sobre a sua vinda. Como salientaram, ele é o “criador da world music”, foi “parceiro” de Dizzy Gillespie e Miles Davis (!!); teve até quem dissesse que Mr. Lateef influenciou Coltrane...

O que ninguém notou é o cara do baixo. Esse instrumento, rotineiramente tratado como coadjuvante, vai ser o responsável por colocar no palco um dos mais importantes nomes da música das últimas décadas: todo respeito a Mr. Lateef e seus 90 anos de idade, mas o grande nome (em todos os sentidos) que estará no Sesc nesse fim de semana é William Parker.

Atento a esse descaso, gerado provavelmente por ignorância (ignora-se, simples assim: qual a parcela do público que estará atenta a Parker?), trago uma conversa que tive com William Parker no começo desta semana. O baixista não é muito “falador”, mas sempre é bom ouvir um pouco do que uma figura como ele pensa. Um dado curioso: Parker contou, para minha surpresa, que já tocou no Brasil na década de 1980, ao lado de Cecil Taylor. Nunca tinha ouvido alguém falar sobre isso (algum de nossos leitores pode dar um testemunho de tal show?).

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FF - É a primeira vez que vem ao Brasil? Como um ouvinte de sons do mundo, tem algum conhecimento sobre a música brasileira?  
"Essa é a segunda vez que vou ao Brasil. Na década de 1980, toquei aí com o pianista Cecil Taylor. Eu conheço a música do Naná Vasconcelos e, claro, a bossa nova, que foi exportada em massa para a América. Mas estou certo de que há muito mais [sons daí] aos quais eu deveria ser apresentado."

FF - Como chegou ao baixo, que se tornou seu instrumento para a vida toda?
"Na adolescência eu tocava violoncelo. Depois, inspirado pela sonoridade do baixista Percy Heath [1923-2005], acabei por substituí-lo pelo baixo."

FF - Quando jovem, você estudou com grande nomes do baixo, como Jimmy Garrison (1933-1976) e Wilber Ware (1923-1979). Qual a importância dessas figuras na sua formação como baixista?
"Professores mostram possibilidades de coisas que podemos fazer. É importante que eles também dêem “okay” para que o aluno seja ele mesmo. Nunca copiar os outros, e sim encontrar seu próprio caminho."

FF - Em gravações mais recentes, especialmente com o “William Parker Quartet”, percebo que tem dado maior destaque à construção melódica. Sente que sua música está em um rumo diferente do que fazia há vinte anos atrás? 
"Espero que eu esteja tocando diferente. Todavia, os elementos são os mesmos, ritmo, tempo, dançar com a melodia... Eu aprendi muito sobre isso ainda na década de 70, quando tocava em duo com o Billy Higgins [1936-2001]. A música do quarteto tem algo folk, com uma orientação world music. Estou basicamente tocando nas mesmas bases, especialmente quando ao lado do Hamid Drake, que trabalha a bateria a partir de um conceito ritmo-melódico. Nós dançamos com os ritmos e mudamos os tempos à vontade. Eu sempre fiz isso; muitos dos bateristas com quem trabalhei no passado lidavam com um conceito contrapontístico bem independente."

FF - Sua música lida com uma grande variedade de elementos e referências. Como rotulá-la? 
"Eu chamo a música que toco de “Creative Improvised Music”. Ela traz influências e informações de sons de todos os cantos do mundo, sem que necessariamente eu tenha me aprofundado [nessas sonoridades]."

FF - Por longo tempo, seu nome foi associado aos grupos de Cecil Taylor e David S.Ware. O que representa em sua trajetória o período em que trabalhou com eles?
"Tocar com Cecil Taylor era uma coisa bela, organizada a partir de um sistema de possibilidades. A performance se desenvolvia por um fluxo contínuo de energia e escolhas."

FF - O senhor começou sua trajetória na década de 1970, freqüentando o mítico Studio RivBea e os outros pontos que formavam a ‘cena loft’ do período. Que paralelo pode traçar entre a música que se fazia/vivia naquele período e a atual cena nova-iorquina?
"Na década de 1970 o aluguel era mais barato, a comida era mais barata, havia uma explosão de criatividade no ar. Já no fim dos anos 70, após 1977, tudo começou a desaparecer, e quando Ronald Reagan chegou à presidência... os programas destinados ao setor artístico simplesmente foram cortados, tudo acabou..."