Mesmo que não sejam dominantes, as manifestações de trabalhos solistas – apenas um músico e seu instrumento – podem ser encontradas tanto na esfera popular como na erudita. Não me refiro ao músico brilhando isolado em determinado momento do espetáculo, em meio a outros, mas sim da obra criada apenas por um profissional.
No período Barroco, J.S. Bach (1685-1750) gestou preciosidades atento à complexidade de instrumentos variados, contemplando com peças solistas órgão, cravo, violoncelo e violino. As raras suítes para violoncelo solo se tornaram um dos momentos elevados da Música, sendo muito executadas até hoje. As três partitas e as três sonatas para violino, não menos fortes, também se mantêm ativas no repertório dos virtuoses do instrumento. Já entre o período que vai do Classicismo vienense ao fim do Romantismo (grosso modo, 1770-1890), pouco se produziu para o formato instrumental desacompanhado. Exceção foi o piano, para o qual todos os grandes compositores do período (Beethoven, Mozart, Schubert) criaram peças solistas. Seria em meio ao advento das vanguardas musicais do século XX que o formato ganharia maior interesse. Um ponto de destaque nesse sentido é a série Sequenza, de Luciano Berio (1925-2003), que traz 15 peças solistas independentes para instrumentos distintos (trombone, oboé, baixo, viola, harpa etc.). No jazz, foi também o advento rotulado nos anos de 1960 como ‘avant-garde’ que deu real impulso a essa forma de expressão musical.
Como ocorre no campo erudito, é o piano quem concentra os esforços solistas no jazz. Pianistas de diferentes estilos e períodos tocaram e/ou gravaram sozinhos. Logo atrás, como o segundo instrumento para o qual mais se encontra registros de peças criadas por um indivíduo só, aparece o saxofone.
Especialmente após o arroubo do free jazz na década de 60, os músicos passaram a celebrar o formato solitário, nascendo, assim, uma infinidade de interpretações-solos para instrumentos variados: o sax em seus diversos tipos, piano, percussão, baixo, trompete, trombone, guitarra e outros mais.
Especialmente após o arroubo do free jazz na década de 60, os músicos passaram a celebrar o formato solitário, nascendo, assim, uma infinidade de interpretações-solos para instrumentos variados: o sax em seus diversos tipos, piano, percussão, baixo, trompete, trombone, guitarra e outros mais.
Na evolução do formato para sax desacompanhado, a história canonizou a gravação de ‘Picasso’, de Coleman Hawkins (1904-1969), de 1948, como o primeiro exemplo. Mas há pesquisadores que apontam registros anteriores. J.R. Taylor, por exemplo, defende que o menos conhecido tenorista Gene Sedric foi o pioneiro, com a faixa ‘Saxophone Doodle’, de 1937. De uma forma ou de outra, é importante frisar que nenhum deles fez do formato solista um processo de criação e expressão, como ocorreria a partir dos anos 60; essas peças são pontos isolados no percurso de cada um. Para o grande público, o formato não costuma ter grandes atrativos, com exceção dos concertos solos de pianistas. Em consonância com tal percepção, os jazzistas mainstream de ontem e de hoje não costumam demonstrar interesse pelo monólogo instrumental.
Já na seara free, a exploração solista se tornou algo visceral. Muitos músicos fizeram dessa uma face vital de sua obra –Kaoru Abe, Evan Parker, Cecil Taylor, Steve Lacy, Anthony Braxton. Outros experimentaram algumas vezes essa possibilidade – David S. Ware, Andrew Cyrille, William Parker, David Murray, George Lewis, Joe Morris –, encontrando resultados empolgantes. Todavia, há também aqueles que não deixaram nenhum, ou quase nenhum, registro de execução individual – Coltrane, Albert Ayler, Pharoah Sanders, Ornette. O saxofonista Ivo Perelman, que conta com apenas um álbum de sax solo em sua extensa discografia, diz que concebe a música intrinsecamente como um diálogo; assim, o monólogo instrumental acaba por não atraí-lo.
**a partir deste e nos próximos posts serão destacados trabalhos de diferentes instrumentistas dedicados a explorar o formato.
Um músico e seu instrumento, apenas.
Um músico e seu instrumento, apenas.
A maioria dos pianistas conta em sua discografia com álbuns solistas. Alguns deles (Keith Jarrett, Paul Bley) fazem das gravações e apresentações solos uma arma de criação artística de primeira ordem. Nesse time, Cecil Taylor tem lugar de honra. Pioneiro do free jazz e da improvisação livre pianística, Taylor gravou ao menos uma dúzia de álbuns no formato em sua carreira.
Na década de 70, o músico passou a circular sozinho de forma mais constante, deixando vários registros de testemunho, como “Indent” (73), “Silent Tongues” (74) e “Air Above Mountais” (76). O estilo abstrato, de linhas fragmentadas, percussivo e martelante de Taylor pode ser apreciado em sua magnitude nesses discos.
(ps: ao menos disso não podemos reclamar: não nos foi negado o prazer raro de vê-lo em palco brasileiro em ação, só com seu piano. O momento histórico data de 2007.)
(ps: ao menos disso não podemos reclamar: não nos foi negado o prazer raro de vê-lo em palco brasileiro em ação, só com seu piano. O momento histórico data de 2007.)
Um dos álbuns menos lembrados de Taylor, Fly! Fly! Fly! Fly! Fly! foi registrado em 1980, não tendo recebido até hoje reedição. Dentro de sua produção pianística, esse talvez seja um dos mais introspectivos, se é que podemos falar assim de um disco de Taylor. As faixas, diferente do normal, não são muito extensas, concentrando o discurso do pianista.
A1 T (Beautiful Young'n) 0:53
A2 Astar 6:09
A3 Ensaslayi 7:54
A4 I (Sister Young'n) 2:23
A5 Corn In Sun + T (Moon) 6:15
B1 The Stele Stolen And Broken Is Reclamed 9:23
B2 N + R (Love Is Friends) 4:02
B3 Rocks Sub Amba 10:18
Recorded at the MPS-Studio in Black Forest, Germany, September 14, 1980.