Omaggio a Bill Dixon (1925-2010)

Wiiliam Robert (‘Bill’) Dixon Sr. nasceu na ilha de Nantucket (Massachusetts) em  5 de outubro de 1925; mudou-se com a família para Nova York em 33 ou 34, fixando residência no Harlem. “Bill” começou a se envolver com música no início dos anos 40, quando estava no High School. Nessa época, trabalhava após as aulas e juntou dinheiro para comprar seu primeiro instrumento, um trompete. Todavia, sem condições de ter um professor particular ou alguém que o ensinasse, pouco evoluiu. Aos 18 anos, se alistou no exército. Diferente de outros músicos profissionais, não fez parte da banda militar. O mundo atravessava a II Grande Guerra. Em 45, chegou sua vez de ir para a zona de conflito. Por um desses acasos da vida, o fim da Guerra chegou antes. Assim, no ano seguinte, pediu baixa das forças armadas; se casou; e conseguiu outro trompete, agora com o intuito de estudar o instrumento com seriedade e, quem sabe, tornar-se músico profissional.

Bill Dixon foi personagem da época de ouro do free jazz, no alvorecer da década de 1960. O que sempre levantou curiosidade foi o fato de ele ter realizado sua primeira gravação apenas em 62, quando já tinha 37 anos. O quê havia feito antes? Com quem tocara?   

Quando começou a década de 1950, Dixon estudava na Hartnett School of Music e tocava com bandas locais, no Harlem, no Queens e no Brooklyn. Nesse tempo, conheceu Cecil Taylor: em 53, se juntaram em torno de um trio, que acabou por ter vida efêmera, sem deixar rastros. Os dois apenas se reagrupariam para gravar em 66, nas sessões do álbum ‘Conquistador’. Até o início dos anos 60, Dixon tocou em diversos contextos, com diferentes músicos, mas sem que seu nome ganhasse projeção ou registros. Harold Perkins (baixo), Harry McDuffy (trombone) e Sid MacKay (bateria) são alguns dos pouco conhecidos músicos que Dixon teve como parceiros durante os 50s. O vibrafonista Earl Griffith, que aparece no album ‘Looking Ahead!’, de Cecil Taylor, foi outro companheiro do trompetista na época. Os anos 50 até que foram de intensa atividade musical para Dixon. Porém, isso não resultou em gravações ou repercussão posterior. Como muitos com quem dividia seu tempo no período, o trompetista poderia ter ficado para trás, esquecido junto com seu trabalho.

Seria a chegada da década de 1960 que traria para Dixon associações com músicos que teriam grande projeção no futuro. O jovem saxofonista Archie Shepp, que havia acompanhado Taylor em 60 e 61, seria seu primeiro grande parceiro nessa nova etapa. Trompetista e saxofonista se uniram logo em um quarteto, que chegou a tocar na Europa. Foi daí que nasceu a primeira gravação oficial de Dixon, registrada em outubro de 62: “Archie Shepp/Bill Dixon Quartet”. Todavia, problemas de saúde acabariam por afastar o trompetista do grupo em 63. Shepp seguiria em frente, associando-se a John Tchicai e Don Cherry.

Quando retorna à cena em 64, Bill Dixon chega com muitas idéias e pronto para agir. Próximo dos 40 anos de idade, o trompetista montou um septeto, com qual gravaria seu segundo disco para o selo Savoy: no lado A, o quarteto de Shepp; no lado B, o grupo de Bill. Seria ainda em 64 que ele organizaria um grande festival, o “The October Revolution in Jazz”, que reuniu muitos jovens e anônimos, que faziam o free jazz fermentar na época, no Manhattan’s Cellar Café. O festival foi um marco na difusão do avant-garde. Ainda naquele ano, criou o “Jazz Composers Guild”, um coletivo que visava dar melhores condições de trabalho e destaque para os free-jazzistas. Participaram da formação do “Jazz Composers Guild” figuras do naipe de Sun Ra, Archie Shepp, John Tchicai, Roswell Rud, Burton Greene, Carla Bley e Paul Bley. A idéia de Dixon, por trás do projeto, era: “Você pode asfixiar um indivíduo, mas não um grupo organizado”. O que o trompetista pretendia era sempre negociar em nome do grupo, tanto apresentações quanto gravações. Dessa forma, asseguraria cachês melhores e trabalho para mais gente. Apesar de inventiva, a idéia acabou por afundar em um ano. Um dos pivôs da dissolução do “Jazz Composers Guild”, que não sobreviveu a 65, teria sido Shepp, que assinou com a Impulse! na surdina, sem conversar ou discutir com seus parceiros de coletivo.

Dixon seguiu em frente. Em 68, passou a dar aulas no Vermont’s Bennington College (onde ficou até 96) e, durante a década de 70, se dedicou mais ao ensino que aos palcos e estúdios. Passou a ganhar espaço também o Dixon pintor, autor de telas abstratas que estamparam capas de variados discos seus. O trompetista voltou a gravar de forma mais consistente na década de 80, quando assinou com o selo italiano Soul Note e lançou belos álbuns como “In Italy” (80), “November 81” (81) –ambos com o baixista Alan Silva–, “Thoughts” (85) e “Son of Sisyphus” (87). Nos anos 90, os discos voltaram a rarear, brilhando sozinhos os dois volumes “Vade Mecum”, que contaram com os baixistas William Parker e Barry Guy. O ano de 2000 começou com o lançamento de “Papyrus”, duo com o percussionista Tony Oxley. Nesse tempo, Dixon já era respeitado e admirado no meio, já tinha assegurado seu nome entre os grandes desbravadores do jazz livre. Uma das últimas gravações de destaque do músico foi com a Exploding Star Orchestra, do também trompetista Rob Mazurek, no ano de 2007.

  
Em seis décadas de estrada, Dixon acabou por deixar uma curta lista de registros, mas que revelam a amplitude de sua inventiva criação. Mestre de muitos, Bill Dixon silenciou seu sopro em 16 de junho de 2010, aos 84 anos de idade.

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Em 2001, Bill Dixon lançou um box de inéditas, "Odyssey", com material realmente precioso: gravações para trompete solo realizadas principalmente nos anos 70 (algumas exceções vinha da década de 90). O material foi reunido em 5 CDs que ilustram o alcance dos processos desenvolvidos por Dixon para o instrumento. Algumas das faixas trazem Dixon também ao piano. Do material foi feita apenas uma fornada limitada de 1.000 cópias, sendo editada e distribuída pelo próprio músico. Como complementação, o box trazia ainda um disco com uma longa entrevista/conversa com o trompetista, além de um encarte com reproduções de suas pinturas (como essa acima). Ouvir cinco discos de um instrumento solista não é algo que estamos dispostos a fazer sempre. Mas, sem dúvida, "Odyssey" é um documento valioso e um testemunho da grandiosidade da música de Bill Dixon.