As circunstâncias da morte de Albert Ayler (1936-1970) nunca foram devidamente esclarecidas. Após a manhã do dia 25 de novembro de 1970, quando seu corpo foi encontrando boiando nas águas do East River, surgiram diferentes versões: suicídio, homicídio (haveria marca de tiro no seu corpo), acidente (chapado, caíra no rio)... Na certidão de óbito, foi registrado apenas: “Asfixia por imersão – Morte por afogamento”. Foram o pianista Call Cobbs (que tocou em diferentes oportunidades com Ayler) e o pai do saxofonista, Mr. Edward, que fizeram o reconhecimento do corpo. Ayler estava desaparecido há umas três semanas. Antes disso, havia brigado com Mary Maria Parks, sua companheira nos três anos anteriores, e deixado a casa em que viviam. Passados 20 dias sem notícia, ela procurou a polícia; pouco depois, seria avisada de que um homem com as características dele fora encontrado. Morto.
Um capítulo estimulante do Ciclo 2 é sua associação com Don Cherry. Isso ocorreu durante o segundo semestre de 64. O trio de Ayler, junto a Cherry, excursionou pela Europa no período e deixou registros fantásticos, como “Vibrations” (ou ‘Ghosts’) e “The Hilversun Sesion”. O último dos registros a aparecer, apenas nos anos 2000, foi esse “The Copenhagen Tapes”, que mostra o quarteto em duas sessões em setembro de 64. Don Cherry havia fundamentado, entre 59 e 61, a formação de outro quarteto free, o grupo seminal de Ornette Coleman. Os dois grupos trabalham em períodos próximos, mas é notória a diferença de pegada. Se Ornette foi o pioneiro, Ayler soa muito mais ácido; outro ponto-base é a bateria: Sunny Murray estava em um ponto de liberdade muito mais sensível que o protagonizado por Billy Higgins (ou Ed Blackwell).buy
*Albert Ayler: tenor
Lor
Mary Maria havia entrado na vida de Albert Ayler no período da morte de John Coltrane. O relacionamento provocou uma radical mudança de rumo na vida musical do saxofonista, levando-o ao quarto e derradeiro ciclo de sua obra (veja abaixo). A alteração de percurso sonoro veio acompanhada do rompimento de Albert com um de seus principais parceiros entre 65/67: seu irmão trompetista Donald Ayler. A nova fase, sob Mary Maria, foi marcada pela intromissão de elementos de R&B, soul e ‘hippie-rock’, em detrimento dos traços mais ariscos que sempre caracterizaram o sopro do músico. Para muitos, o próprio Albert sentira que esse não era um caminho frutífero e estava, quando morreu, buscando o rumo perdido.
Os registros de Ayler em ação englobam um período que vai de 1962 a 1970. Entre sua primeira gravação, “First Recordings” (também lançada como “Something Different!!!”), de outubro de 62, e o registro de “Nuits de La Fondation Maeght”, de julho de 70, contam-se 21 álbuns –sem considerar o box “The Unreleased Recordings”, nem as diferentes coletâneas e versões.
Entendo que a obra de Ayler possa ser englobada em 4 diferentes ciclos:
Ciclo 1: “Pré-Free”: entre 62/63. Nesse período, o saxofonista ainda buscava seu rumo. De sonoridade influenciada por Sonny Rollins, apenas tateava suas marcas mais expressivas, livres. É apenas nessa fase que resgata clássicos do jazz (Rollins, Miles Davis, Parker, até ‘Summertime’) em suas gravações.
Ciclo 2: “Free Jazz I”: em 64. Encontra seu rumo particular. Nasce o “Silent Scream”, traço marcante de seu sopro. Passa a trabalhar constantemente com Sunny Murray e gera seus primeiros ‘hits’, como “Ghosts” e “Spirits”. Com repertório próprio, mergulha no campo free e resgata elementos do ‘Spirituals’ e do folk escandinavo.
Ciclo 3: “Free Jazz II”: entre 65-67. Adiciona seu irmão, Donald (Don), ao grupo, que também passa a contar frequentemente com violino. Período em que explora ferozmente ritmos marciais, marcações de bandas de rua de New Orleans e marchas fúnebres, que encapsulam suas incendiárias variações free. O clássico máximo dessa fase é “Truth is Marching In”.
Ciclo 4: “Pós-Free”: entre 68-70. Associa-se a Mary Maria. Abandona a parceria com seu irmão Don. Passa a absorver variantes de sonoridades diversas, do R&B ao gospel ao rock. Desenvolve sons não tão explosivos, que poderiam se enquadrar em certo campo proto modern creative.
Os ciclos 2 e 3 são, sem dúvida, os mais relevantes dentro da produção ayleriana. Creio que isso é indiscutível, principalmente porque não se pode especular muito sobre o rumo que sua arte teria assumido a partir dos anos 70 -ele não deixou criações novas e/ou inéditas.
**Tracks 1-6 recorded live at Club Montmarte, Copenhagen, Denmark, September 3, 1964. Tracks 7-10 recorded in studio by Danish Radio, Copenhagen, Demark, September 10, 1964.
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No Ciclo 3, Ayler trabalha com um grupo diferente, que traz novos rumos e propostas diversas. Essa é a etapa em que adiciona seu irmão Don no trompete. A simbiose entre os dois é intensa. Don tem um timbre metálico que ilumina as criações com o sabor marcial/fúnebre do período. O esquema das composições dessa fase costuma se montar assim: apresentação de tema/melodia simples cantados/dialogados entre os dois sopros; sequências de solos alternados e incendiários; retomada do tema inicial. Ou seja, um esquema padrão e clássico no jazz, só que realizado de forma radical. O núcleo dessa fase, que contava com o violinista Michel Sampson, tem somente registros ao vivo, como esse Lorrach/Paris 1966.
1. Bells 13:30
2. Prophet (Jesus) 7:00
3. Our Prayer - Spirits Rejoice 6:25
4. Ghosts 3:26
5. Truth is Marching In 11:24
6. Ghosts 7:44
7. Spiritual Rebirth/Light in Darkness/Infinite Spirit 11:06
8. All/Our Prayer/Holy Family 4:45*Albert Ayler: tenor
*Don Ayler: trumpet
*Michel Sampson: violin
*Bill Folwell: bass
*Beaver Harris: drumsLor
**Tracks 1-5 recorded live by South Western German Radio Network in Lorrach, Germany on November 7th, 1966. Tracks 6-8 recorded live by Radio France/Salle Pleyel at Paris Jazz Festival on November 13th, 1966.