Trilhando imagens: “Who’s Crazy?”

Antes de se retirar de cena no fim de 1962 e se isolar em seu apartamento, Ornette Coleman havia iniciado um trio no qual trabalhava com o baixista David Izenzon e o baterista Charles Moffett. Ao lado dos dois, realizou sua última aparição antes do auto-exílio, que marcou o encerramento da primeira fase de sua carreira. Era 21 de dezembro de 1962. A apresentação foi registrada e saiu depois em disco (“Town Hall, 1962”). Após esse concerto, Coleman ficou praticamente desaparecido, estudando novos instrumentos (trompete e violino) e compondo (escreveu peças complexas, como quartetos de cordas); esporadicamente, aparecia para alguma gig. Esse hiato se estendeu até meados de 1965, quando retomou o trio com Moffett e Izenzon. O retorno foi marcado por um giro pela Europa, do qual saíram álbuns como “The Paris Concerts” (novembro de 65) e “At the Golden Circle - Stockholm” (dezembro de 65).


Charles Moffett (1929-1997) era antigo conhecido de Coleman, tendo estudado com ele na juventude no Texas. Apesar da amizade juvenil, Moffett acabou por ser o baterista, dentre os que mais proximamente se associaram à Ornette (Higgins, Blackwell e Denardo), que menos tempo tocou ao lado do saxofonista. Ele também acompanhou em diferentes momentos Archie Shepp, Carla Bley e Frank Lowe. Seu filho, o baixista Charnett Moffett, tocou algumas vezes com Ornette após os 90s.

David Izenzon (1932-1979) também não foi um dos parceiros mais constantes de Coleman no baixo. Curiosamente, Izenzon passou a tocar baixo tarde, apenas com 24 anos. Chegando em NY em 61, logo se juntou a Paul Bley e Bill Dixon, entrando em seguida para o trio de Coleman. Durante a virada dos 60/70, Izenzon, que tinha PhD na área de Psicoterapia, dedicou-se mais ao ensino, especialmente no Bronx Community College. Um pouco antes de morrer, voltou a tocar algumas vezes com Coleman.

No começo de 1966, o trio seria convidado a criar a trilha sonora para um filme experimental do diretor Tom White, realizado com atores do “Living Theatre”. O filme chamava-se “Who’s Crazy?” e o trio foi até Paris para ‘musicá-lo’. O processo de criação do trio foi registrado em vídeo pelo diretor britânico Dick Fontaine, que realizou um curta (“David, Mofett and Ornette”, editado no Brasil como ‘Ornette Coleman Trio’) com o material captado –um trecho do curta pode ser visto aqui.

Além de render esse curta, o trabalho dos músicos foi editado em vinil no final da década de 70. O álbum, duplo, trazia quase 80 minutos dos sons criados naquele começo de 66 em Paris. Apesar da curta sobrevivência desse trio, seus registros são de alto nível (destaque para os dois volumes de “At the Golden Circle - Stockholm” ). A própria característica livre do grupo garantiu que a música gestada para “Who’s Crazy?” não soasse apenas como trilha incidental ou mera curiosidade para aficionados. O disco é free improv de alta criatividade. Ornette se reveza constantemente entre seus três instrumentos. Passados apenas os três minutos iniciais da primeira face do disco, o músico vai do violino para o trompete, assumindo em seguida o sax. Nesse álbum, Ornette explora bastante violino e trompete, que havia assumido há não muito tempo.  A música se apresenta com reiteradas mudanças bruscas, com muitas quebras –esperadas para um trabalho dessa natureza. Todavia, isso não resulta em uma criação fragmentada e artificialmente colada. Há unidade por trás de tudo, dando liga e deixando a audição fluir. 



Side A (22:44)
January
Sortie le Coquard
Dans la neige
The Changes

Side B (17:44)
Better Get Yourself Another Self
The Duel, Two Psychic Lovers and Eating Time






Side C (19:28)
The Mis-Used Blues (The Lovers and the Alchemist)
The Poet

Side D (18:22)
Wedding Day and Fuzz
Fuzz, Feast, Breakout, European Echoes, Alone and the Arrest



*Ornette Coleman: alto, trumpet, violin
*David Izenzon: bass
*Charles Moffett: drums 

Recorded in Paris 1966 for the soundtrack of the film 'Who's Crazy?'.