Para ler: "Confesso que ouvi"

Se o surgimento de trabalhos de novos artistas nacionais (nos territórios sonoros de interesse, claro) sempre é bem-vindo, o mesmo vale para novas publicações. São magras as oportunidades de encontrarmos livros em português sobre jazz, escritos por gente daqui, nas livrarias. Dentre os mais interessantes, está o “Guia do Jazz” (1993, esgotado), de Sergio Karan, e “New Jazz: de volta para o futuro” (1999), de Roberto Muggiati –este é um livro muito bem arquitetado e resolvido, mas tem um defeito grave: como Muggiati escreve sobre o jazz dos 80/90 e simplesmente ignora David S. Ware, Matthew Shipp e William Parker? Inexplicável.... Enfim, para enriquecer essa biografia tímida saiu há pouco “Confesso que Ouvi” (Ed. Azulejo), resultado dos escritos do maranhense Érico Cordeiro. O germe do livro está no blog de Érico, o Jazz + Bossa, no qual o autor exibe, em elegante prosa cronística, suas escutas e andanças pelo mundo do jazz. Dos consagrados Art Blakey e McCoy Tyner, aos menos conhecidos Doug Watkins e Frank Rosolino, o autor revisita um amplo leque de figuras que formam sua discoteca e ajudaram a dar corpo ao que chamamos de jazz. 
Conversei com o Érico sobre o livro e sua entusiástica dedicação à essa música.

1 - O livro reúne apenas os textos que já apareceram no “Jazz + Bossa” ou há material inédito também? Esse exercício crítico nasceu apenas com o blog?
 “O livro traz apenas textos já publicados no blog. Não há material inédito, mas em alguns textos fiz algumas pequenas alterações. No texto sobre o Miles Davis, por exemplo, acrescentei novas informações e dei uma corrigida na ortografia, já com base nos parâmetros da reforma ortográfica. Na verdade, somente comecei a escrever sobre jazz após a criação do blog. Foi algo que foi acontecendo naturalmente, mas que me dá muito prazer.”

2 - Como está a recepção do livro? Há planos de distribuí-lo no eixo Rio/SP?
O livro já vendeu cerca de 200 exemplares, de uma tiragem inicial de 1.000. Contudo, esses livros vendidos foram direcionados apenas para cobrir os custos. Todas as pessoas com quem conversei e que leram o livro afirmam que gostaram bastante, o que me leva a crer que a iniciativa deu certo e eu consegui, de alguma forma, levar um pouco da paixão pelo jazz às pessoas. A questão da distribuição é meio complicada, pois precisaria de contato no Rio ou em São Paulo para viabilizar. Mas hoje, com a internet, é possível adquirir o livro na Estante Virtual.”

 
3 - Sabemos que é difícil os músicos de jazz, especialmente os que vêm do exterior, chegarem a tocar aí no Maranhão. Com isso, você costuma viajar para outros Estados para ver os músicos que mais aprecia? Como lida com isso?
 “Essa é uma das minhas grandes frustrações, meu caro. Por conta de não termos uma cena jazzística forte, são pouquíssimas as oportunidades de ver ao vivo os grandes nomes do jazz. E também por conta da família nada pequena, também são raras as oportunidades de viajar apenas com o objetivo de assistir a shows de jazz. Mas quando viajo - geralmente a trabalho - sempre dou um jeito de assistir alguma coisa. Estive em São Paulo há pouco tempo e pude assistir à Traditional Jazz Band e ao Natan Marques (que, se não é propriamente um músico de jazz, tem muita influência de caras como Joe Pass). Em Brasília, quando posso, gosto de ir ao Clube do Choro, que sempre tem artistas interessantes.”

4 - Não me lembro de ter visto nada sobre jazz argentino, que atravessa um momento de grande vitalidade, no “Jazz + Bossa”. Tem acompanhado o que tem sido feito no país vizinho?
 “Não tenho muita familiaridade com o jazz argentino. Tirando Gato Barbieri e Astor Piazzolla (que tem gravações com gente como Gerry Mulligan e Gary Burton), conheço muito pouco da música feita no nosso país vizinho (conheço algumas bandas pop, como Soda Stereo, Fito Paez ou Charly Garcia). Na verdade, não acompanho muito o jazz contemporâneo como um todo. Gosto de artistas "neotradicionalistas" como Wynton Marsalis, Javon Jackson, Brad Mehldau, Eric Alexander, Marcus Roberts, Kenny Garrett, Peter Bernstein etc., mas meu interesse maior é o que vai do comecinho dos anos 50 até o final dos anos 60 - bebop, cool e hard bop, sobretudo.”

5 - Além de ser ouvinte entusiasta, também é grande consumidor de discos? Compra LPs, CDs? Tem coleção completa de algum músico?
 “Sou meio compulsivo com cds. Acho que compro, em média, uns vinte por mês. Tenho uma coleção meio eclética, com MPB, rock/pop, reggae, erudito, blues e jazz, chegando na casa dos 6.000 discos (comecei em 1990 e meu primeiro cd foi Crazy People Music, do Branford Marsalis). Logo que comecei a comprar cds, deixei de comprar LPs (tenho cerca de 500, mas não ouço - vivo me programando para comprar um toca-discos, mas acabo adiando). Nos últimos 5 anos, acho que 90% dos discos que comprei foram de jazz. Coleção completa de algum artista é meio difícil, sobretudo aqueles que gravaram com muita regularidade ou que tem muita coisa fora de catálogo. Mas tenho uma parte bastante representativa da obra de caras como Dave Brubeck, Dexter Gordon, Cannonball Adderley, John Coltrane, Charles Mingus, Sonny Rollins, Bill Evans, Miles Davis, Art Blakey, Chet Baker.”

6 - Sei que sua praia é a do jazz de linhagem mais tradicional. Nada na seara free toca seus ouvidos? 
 “Como eu disse, meu interesse maior é o jazz feito entre 1950 e 1970, sobretudo essas escolas hoje consideradas mais ortodoxas (cool, west coast, bebop, hard bop). Tenho vários discos de artistas ligados ao free (Ornette Coleman, Archie Shepp, Jimmy Giuffre, Paul Bley, Albert Ayler, Pharoah Sanders, Cecil Taylor, Andrew Hill, Eric Dolphy), mas não tenho muita intimidade com esse estilo e não ouço com muita freqüência, exceto o Andrew Hill. Acho que ele tem um estilo muito elegante, percebo em sua obra um vínculo com o blues muito estreito. Talvez ele seja o músico essencialmente free de quem mais gosto. Ouço muito o Eric Dolphy, mas num contexto mais ‘organizado’, sobretudo o quinteto com o Booker Little e o Mal Waldron, cujos álbuns são sensacionais. Gosto das parcerias dele com o Oliver Nelson e o Ken McIntyre, acho que são discos intrigantes, mas não são herméticos.”

7 - Sobrou algum espaço para o pessoal mais do lado free no livro? Senão, quando sai a segunda edição para que você possa ‘consertar’ isso?
 “Infelizmente, não abordei nenhum artista ligado ao free no livro. Quem sabe em um segundo volume isso seja corrigido? Archie Shepp, Paul Bley, Andrew Hill e Eric Dolphy são sérios candidatos. Uma hora dessas um deles pinta no jazzbarzinho. Quanto à segunda edição, tomara que a primeira esgote rapidamente, para poder pensar no assunto. Meu sonho é me tornar o Paulo Coelho do jazz e viver só de direitos autorais (rs, rs, rs).”