Waiting for Pharoah... (III)

Como todo inovador, Pharoah Sanders foi idolatrado por uns e desprezado por outros. Para sua carreira e vida pessoal, provavelmente o mais relevante foi que gênios como John Coltrane e Sun Ra souberam apreciar suas criações. Pharoah pertence àqueles tipos que estimulam muitas críticas e interrogações. A antiquada e datada reivindicação ‘isso não é jazz’ o atingiu ainda nos 60, quando contava com menos de 30 anos e pouco tinha gravado em seu nome.


Todavia, o mais curioso é que, especialmente naqueles tempos, muitos dos músicos mais interessantes (e mesmo fantásticos: Coltrane, Miles, Archie Shepp, o pessoal do Art Ensemble of Chicago) não queriam que sua música seguisse sendo rotulada como jazz. ‘Classic Black Music’, ‘New Thing’, ‘Great Black Music’, ‘Universal Sound’: e era, dentre essas denominações novas e abrangentes que, sem dúvida, a criação de Pharoah melhor se adequava.

Avaliando comentários da época (e posteriores), podemos entender o quanto o som de Sanders era de complexa degustação. Há quem especule que Coltrane teria direcionado sua música, se não houvesse morrido precocemente em 1967, para campos próximos aos explorados por Sanders na virada dos 60/70 _rumos tomados por Alice em seus primeiros trabalhos solistas. Como nunca saberemos o que poderia ter ocorrido se Trane não tivesse partido tão cedo, no auge de sua inventividade, resta ver o que ele pensava de Pharoah:

“Pharoah is a man of huge spiritual reservoir. He’s always trying to reach out to truth. He’s trying to allow his spiritual self to be his guide. He’s dealing, among other things, in energy, in integrity, in essences. I so much like the strength of his playing… it’s been my pleasure and privilege that he’s been willing to help me, that he is part of the group.” (Essa declaração de Coltrane data de 1965 e é citada no livro “As Serious as your Life”, de Valerie Wilmer.)

Todavia, como já apontamos, Sanders não poderia agradar a todos. Especialmente no caso dos mais conservadores, que querem proteger certa ‘aura sagrada jazzística’, parecia que faltava ao saxofonista talento para ostentar o posto de grande músico. O influente crítico francês André Francis era um dos que ‘dispensavam’ Pharoah Sanders _o curioso é que o mesmo Francis idolatrava Gato Barbieri, como já citei aqui, e que, no meu entender, representa a faceta latina da busca da africanidade/orientalidade que tanto perturbou Pharoah.

“Pharoah Sanders, demasiado rapidamente consagrado herdeiro de Coltrane (...), é um músico que se fechou em um sistema rácico-religioso repetitivo e mecânico. (...) Os LPs que grava são construídos segundo um esquema quase idêntico. Partindo de uma melodia simples e banal, extrai pequenas sequências repetitivas que se intensificam até a estridência e explosão. Descobri-lo, é passar um bom momento de tensão e comunhão lírica; reescutá-lo é decepcionante” (Francis, “Jazz”, Ed. Martins Fontes, p. 218).

Que dizer? Melhor ouvir o que Pharoah tem a oferecer...


Nessa apresentação de julho de 1971, em Nice (França), Pharoah sobe ao palco com alguns de seus parceiros habituais.
O show começa com uma rara versão de um ‘standard’, algo incomum no repertório do saxofonista no período. Abrindo os trabalhos com um “This is for Monk!”, Sanders exibe sua leitura para ‘Round Midnight’. Depois, seguem-se três de suas composições, marcadas pelo perfil peace/explosion da época. Entre as faixas, há a locução do radialista francês, de quando o show (inédito em LP/CD) foi difundido, por uma rádio local.

July 18, 1971 - Nice, France

1. Round Midnight (5:15)
2. (radio intro) / Jamil (22:55)
3. The Creator Has A Master Plan (20:15)
4. (radio intro) / Let Us Go Into The House Of The Lord (25:14)

*Pharoah Sanders – tenor, soprano, flauta, perc
*Lonnie Liston Smith - piano
*Cecil McBee - bass
*Jimmy Hopps - drums
*Lawrence Killian - percusion