A parceria que nunca houve

Há quatro décadas morria Johnny Allen Hendrix. Nascido em Seattle, Jimi Hendrix (1942-1970) morreu cedo e deixou, inevitavelmente, várias indagações em aberto: o que teria feito dali para frente? Permaneceria, placidamente, tocando os mesmos ‘hits’ até hoje, preocupado apenas em ensacar pilhas de dinheiro, como os Rolling Stones (e tantos outros, claro)? Ou teria continuado desbravando sons e criando novos complexos artísticos?


Pensei em Hendrix relendo a autobiografia de Miles Davis ("Miles: The Autobiography". Ed. Touchstone, 1990, 441p.). E essa era uma parceria que prometia: Hendrix e Miles. No fim dos 60s, Miles vivia seu processo de 'eletrificação', estava altamente seduzido pelo som de Hendrix e, por meio de sua então namorada, Betty Mabry, conheceu e passou a conviver com o guitarrista. O trompetista conta que chegou a tocar com ele em sua casa, que tinham planos de gravar juntos etc, e que Hendrix estava antenado no jazz naqueles tempos:

“[Jimi] liked the way Coltrane played with all those sheets of sound, and he played the guitar in a similar way”. “He influenced me, and I influenced him, and that’s the way great music is always made.”

Em agosto de 1970, o trompetista se apresentou com seu grupo no festival Isle of Wight, na Inglaterra. Hendrix também estava por lá e combinaram de, finalmente, gravarem algo juntos: “He and I were supposed to get together in London after the concert to talk about an album we had finally decided to do together”. Depois de um desencontro em Londres, Miles vai excursionar na França, onde recebe um telefonema de Gil Evans, com quem marca de se encontrar em NY. Os dois se juntariam, então, a Hendrix em breve, para trabalharem em algo. “We were waiting for Jimi to come when we found out that he had died in London”, contou Davis. Infelizmente, ficamos sem o registro desse encontro. Nada de Miles e Hendrix.

Tentando descobrir se ao menos algo caseiro dos dois gênios havia vindo à tona _isso vive acontecendo, mas não foi o caso aqui_, me lembrei do single Doriella Du Fontaine.

Editado pela primeira vez em 1984, Doriella Du Fontaine traz Hendrix na guitarra, acompanhado de Lightnin’ Rod e Buddy Miles. Conta-se que o single é fruto de improvisações-sobras de estúdio de uma sessão do fim de 1969, que permaneceram, como muita coisa boa por aí, engavetadas e esquecidas por longo tempo. Foram resgatadas e remixadas por Lightnin’ Rod, vocalista que esteve nos primórdios do ‘Last Poets’. Não encontrei uma fonte que explicasse, claramente, o passo-a-passo de Doriella Du Fontaine. O que me pareceu mais crível foi a versão de que Lightnin’ Rod trabalhou e adicionou vocal encima da gravação feita originalmente por Jimi e Buddy. Por isso, alguns fãs mais ‘hardcore’ do guitarrista não gostam do álbum, o desautorizam: afinal, Jimi nunca escutou esse produto final. O que temos aqui é um som funkeado, com ar proto-rap gerado pelo canto-fala de Lightnin’ Rod (a letra é dele e conta a história de uma prostituta). O resultado é realmente instigante. De qualquer forma, há uma versão instrumental, que deve estar mais próxima do que foi captado originalmente.

Hendrix teria feito associações com o rap, a eletrônica? Com o jazz? Mergulharia fundo no blues? Continuaria uma referência no rock?



1: Doriella Du Fontaine 9:37
2: Doriella Du Fontaine (Radio Edit) 4:56
3: Doriella Du Fontaine (Instrumental) 4:12
4: O.D. 2:28



*Jimi Hendrix: guitar, bass
*Lightnin’ Rod: vocals
*Buddy Miles: drums, organ