O curto e intenso percurso de Victor Assis

Victor Assis Brasil (1945-1981) morreu jovem, de uma rara doença no sistema circulatório. Não alcançou os 36 anos. Se não gravou extensivamente, ao menos deixou registros em estúdio e ao vivo (que não enchem 10 álbuns), com diferentes parceiros e formações, que permitem que adentremos um pouco em seu universo interpretativo e composicional. Apesar de a música sempre ter feito parte da rotina da família Assis Brasil (seu irmão gêmeo, João Carlos, é reconhecido pianista erudito), o saxofonista carioca foi apresentado a seu instrumento apenas aos 17 anos, quando uma tia o presenteou com um sax alto. A dedicação aos estudos na área musical o levou, no fim dos 60, aos Estados Unidos, onde estudou composição na Berklee School. Por lá, teve a oportunidade de tocar ao lado de nomes como Dizzy Dillespie, Clark Terry e Ron Carter.


A vida de músico profissional de Victor começou quando estava perto de seus vinte anos e passou a participar com seu sax intensivamente da cena do ‘Beco das Garrafas’ _reduto da música instrumental no Rio, por onde circulavam nomes da bossa nova e do nascente samba-jazz. Nas jam sessions dominicais do ‘Little Club’, conviveu com figuras como Paulo Moura, Raul de Souza e Luiz Eça. Em 66, estreou em disco, com “Desenhos”. Depois viriam "Trajeto" (68) e “Esperanto” (de 70, que teve uma versão em CD titulada de “The Legacy” e que é, provavelmente, seu melhor trabalho).

A morte prematura e o fato de dedicar-se apenas a trabalhos instrumentais pesaram no relativo esquecimento de sua obra _que não foi nem lançada em sua totalidade em formato digital... Há não muito tempo, conversei com seu irmão pianista, João Carlos, que lamentou o descaso e o esquecimento em relação a obra de Victor:

“Em um país como o nosso, onde tudo é esquecido, não é de surpreender o desconhecimento sobre a obra do Victor. Muita gente não sabe seu valor. Provavelmente seja mais conhecido e admirado nos EUA, o que é uma pena, pois Victor era um músico brasileiro que se dedicava a criar uma música que, se tinha uma visada jazzística, também tinha uma sonoridade que só podia nascer aqui”, disse João Carlos. Quando Victor morreu, deixou algumas malas em seu quarto, que permaneceram trancadas até o final da década de 80. Ao abrir as malas, João Carlos se deparou com uma infinidade de partituras escritas pelo saxofonista, nunca antes executadas. "Victor compunha como quem toma água, deixou umas 300 partituras. Grande parte dessa música permanece inédita até hoje e não se trata apenas de jazz. Há composições eruditas [dois quartetos de cordas, peças para orquestra, duos e trios variados]. Algumas dessas composições eu já gravei, mas há muito ainda a ser explorado”, contou o pianista. Recentemente, ele optou por doar as partituras de Victor para a Escola de Música Villa-Lobos, no Rio, na tentativa de fazer com que jovens músicos tenham contato com a obra do compositor. No disco “Self Portrait”, João Carlos reuniu um quarteto e gravou 12 das composições inéditas de seu irmão.

Um dos pontos elevados das gravações que Victor Assis Brasil deixou é o disco Ao vivo, realizado em 74 por seu quinteto. Além de Victor nos saxes alto e soprano, o trompetista Marcio Montarroyos (morto em 2007), um dos grandes do instrumento no país, participa da apresentação. Em quatro faixas, sendo três temas de Victor, o quinteto mostra um jazz refinado e uma grande sintonia entre os ‘reedmen’ _que não eram parceiros constantes_, como destaca a belíssima “Puzzle”. Curioso ver as ‘liner notes’ que estão na contracapa do disco. Escrito pela Elis Regina, o texto não fala nem sobre o disco nem sobre a obra de Victor, preocupando-se apenas em divagar sobre a dura vida de músico no país... Não sei se o saxofonista e a cantora se conheciam ou se tocaram juntos, mas é uma pena terem colocado aquele texto apenas pela grife representada pelo nome de Elis. Na única vez em que cita o saxofonista, ela o chama de ‘Vitor’ (sem o ‘c’) e deseja boa sorte, como se fosse sua estreia musical... Em 91, saiu uma edição desse disco em CD, por um pequeno selo, que está esgotada há muito. Nos últimos anos, a gravadora Atração colocou no mercado três álbuns de Victor (“The Legacy”, “Trajeto” e “Jobim”) que ainda podem ser encontrados sem muita dificuldade e merecem ser adquiridos.

"Gravação ao vivo, de 2/set/1974, no Teatro da Galeria (Rio)"

*Victor Assis Brasil: alto e soprano
* Marcio Montarroyos: trompete
*Paulinho Russo: baixo
*Alberto Farah: piano elétrico
*Lula: bateria

Lado A
1.Pro Zeca (Assis Brasil)
2.Somewhere (Bernstein/Sondhein)

Lado B
3.Puzzle (Assis Brasil)
4.Waving (Assis Brasil)