Duas décadas sem Frank Wright

Ainda me surpreende que Frank Wright seja um personagem tão obscuro no mundo jazzístico. No mínimo, sua figura deveria repercutir como a de Albert Ayler, que aparece em todos os livros dedicados ao jazz que abarcam a década de 60 e tem a maioria de seus álbuns distribuídos em CD. Mas Frank Wright permanece ignorado: além das muralhas dos guetos formados por aqueles que acompanham a free music, seu nome não existe. E quem já teve a oportunidade de ouvir Frank Wright sabe do que estamos tratando aqui. Nativo de Grenada, Mississippi, onde nasceu em 1935, o saxofonista lançou seu primeiro disco em 1965. Manteve-se em atividade até maio de 1990, quando morreu na Alemanha. Teve como principal instrumento o sax tenor, com passagens pelo soprano e o clarinete baixo.

A tímida repercussão sempre marcou a trajetória de Frank Wright. Em 69, diante da falta de oportunidades na “terra do jazz”, mudou para a Europa. Salvo pequenos períodos durante a década de 70, passou a maior parte de sua vida profissional entre países como França e Alemanha. E foi por lá que lançou a maioria de seus álbuns. Em 25 anos de carreira, Frank soltou uns 15 discos em seu nome. Pouco disso foi editado em CD e quase nada permanece em catálogo.

Durante um bom tempo teve como parceiro Muhammad Ali, baterista e irmão do mais conhecido Rashied Ali. Alan Silva, Bob Few e Noah Howard foram outros que participaram ativamente de seus discos. É curioso ouvir em “Uhuru Na Umoja”, de 1970, a participação de Art Taylor na bateria, demonstrando uma pegada free que assustaria seus mais fiéis admiradores. Nos anos 80, Wright gravou uma série de discos com o artista visual A.R. Penck. Também é possível encontrar seu nome em algumas gravações de Peter Brotzmann, Cecil Taylor e Marvin ‘Hannibal’ Peterson. Nos últimos anos, o mundo virtual permitiu que a obra do saxofonista fosse mais divulgada, chegando, com certeza, a pessoas que nunca tinham ouvido falar de seu nome. Creio não ser impossível encontrar todas suas gravações em blogs e afins _já comprar um álbum seu original é tarefa mais complicada...


Esse One for John traz Wright com seu peculiar quarteto do período (que também gravou “Uhuru Na Umoja” e “Church Number Nine”): além do tenor, piano (Bob Few), bateria (Muhammad Ali) e alto (Noah Howard). “China” abre a sessão com Ali repercutindo os pratos enquanto Few dedilha no piano uma melodia de sonoridade-clichê-asiático. Logo os sopros tomam a cena respondendo e ecoando o tema do piano. Depois de algumas entradas e repetições amparadas nessa base, os saxes começam a se afastar do tema inicial, adentrando solos e passagens mais desestruturadas e abstratas. Os diálogos entre os dois saxes, que podem ser apreciados aqui, é um dos pontos fortes das gravações que Wright fez na época _durante os 70, Noah cederia seu lugar ao baixista Alan Silva. A intensa e muscular percussão de Ali, que segura toda a sessão, cria uma assombrosa base para os saxofonistas. Em "One For John", Muhammad tem um espaço mais generoso para exibir suas baquetas. Em seus momentos iniciais, a peça homenageia, sonoramente, o universo do último Trane, especialmente até o segundo minuto, quando a música acelera e Wright sola com vigor, amparado pelo piano onírico de Few. Frank Wright mereceria, no mínimo, figurar na história oficial como um dos grandes da cena avant-jazz...




1: China: 25:06
2: One For John 16:14

*Frank Wright: saxophone tenor
*Noah Howard: saxophone alto
*Muhammad Ali: drums
*Bobby Few: piano



Recorded 5th December 1969 at Studio Saravah, Paris