As vias libertárias do MEV

O Musica Elettronica Viva (MEV) despontou em 1966, na Itália. Produto da free improvisation, o grupo sempre esteve intensamente ligado à música erudita contemporânea. Tanto que em um de seus primeiros concertos, na Berlim de 67, apresentou a peça Solo for Voice 2, de John Cage. Atento aos campos acústico e eletrônico, contou em suas fileiras com nomes do free jazz, como o saxofonista-soprano Steve Lacy e o trombonista George Lewis _mas é exagero pensar no MEV como um grupo diretamente ligado ao jazz. Em suas formações militaram Richard Teitelbaum (que gravou, com seus sintetizadores, ao lado de Anthony Braxton e Leroy Jenkins), Alvin Curran e Frederic Rzewski. O MEV chegou a ter, no começo dos 70, três diferentes pólos simultâneos de criação: um em NY, liderado por Teitelbaum e Rzewski; outro em Paris, sob comando de Patricia e Ivan Coaquette; e mais um pólo em Roma, com Alvin Curran.

O lendário selo francês BYG, fundamental na difusão da free music nos 60/70 _tendo editado Sun Ra, Art Ensemble of Chicago, Frank Wright, Don Cherry, Archie Shepp, Jimmy Lyons, Sunny Murray etc_, lançou duas performances do Musica Elettronica Viva. A primeira dessas, “The Sound Pool”, traz o grupo em gravação ao vivo realizada em maio de 1969.


Este é um disco de improvisação livre, distante de ecos do jazz. Para muitos, o álbum, dividido em quatro partes, soará como acúmulo de sons, ruídos, gritos, cacofonia longe do que mais facilmente se cataloga como ‘música’. O trabalho teve origem nas pesquisas e invenções de um coletivo de 14 pessoas, dentre as quais Curran, Rzewski e Teitelbaum. A primeira parte, arquitetada sobre vozes, remete a obras dos italianos Luigi Nono e Luciano Berio _nomes centrais da música erudita contemporânea. A partir da segunda parte, sopros e percussão ganham destaque em cena, em meio às vozes _mais uma vez, para mim, flerta com peças de Berio, como 'Laborintus II' e 'Passaggio' (claro que, no caso do compositor italiano, trata-se de música com partitura e libreto). É na última parte que os sopros recebem maior atenção, mas sem nenhum músico chegar a desempenhar papel de solista. O MEV nos faz lembrar que explorações vanguardistas implicam em incômodo e busca desenfreada por novos campos artísticos. O teórico literário russo Victor Chklovski (1893-1984) dizia que a obra de arte visa a libertar a percepção do automatismo, sendo que “a finalidade da arte é a de dar uma sensação do objeto como visão e não como reconhecimento”. O artístico deve se manifestar contra o automatismo que contamina a linguagem comum e cotidiana, desencadeando estranhamento a partir de sua singularidade.