O concerto solo é um formato muito apreciado por saxofonistas e pianistas. Muitos dos grandes desses instrumentos realizaram gravações apoiados nessa estrutura. No caso do sax, Kaoru Abe e Evan Parker mais do que apenas testaram o formato: fizeram dele um campo de experimentações, onde levaram as possibilidades do instrumento a voos nunca antes testados. As origens do formato estão ligadas a um nome clássico, o do tenorista Coleman Hawkins, que gravou em 48 a peça solo “Picasso” _o mesmo Hawkins que, em 39, com seu solo em “Body and Soul”, firmou definitivamente o sax tenor como instrumento de primeiro time. Especialmente dentre os saxofonistas free as gravações e apresentações solos têm grande apelo: Peter Brötzmann, Anthony Braxton, David Murray, Ivo Perelman, Roscoe Mitchell, Mats Gustafsson, Charles Tayler, Joe McPhee, David S. Ware, Arthur Doyle, Charles Gayle, Kenny Millions, Marion Brown: todos deixaram registros nesses moldes.
Muita gente ainda não conhece Paul Flaherty _que também tem soltado seu sopro em formato solo. O saxofonista americano, nascido em Connecticut, em novembro de 1948, encarou uma estrada bastante árdua para se firmar como músico. Fez sua primeira gravação apenas em 78 _ou seja, aos 30 anos_, com músicos de sua cidade natal, com quem formou o grupo “Orange” (que não foi além daquele disco de estreia). A próxima oportunidade surgiria apenas em 82 e, mais uma vez, não o levou muito distante. Após esses inícios sem quase repercussão, as portas se fecharam de vez. Como outros talentos naquela década negra _Charles Gayle, Arthur Rhames..._, perambulou pelas ruas com seu sax, fazendo uns trocados e mantendo sua verve acesa. Com as dificuldades para sobreviver como músico, Flaherty teve de atravessar a década de 80 tendo como emprego principal o de pintor de paredes.
Foi um encontro com o baterista Randall Colbourne que o resgatou para o mundo da música _isso já com seus 40 anos de idade! Com o baterista, gravaria vários discos a partir de 89, sedimentando aos poucos seu espaço como músico radical. Durante os 90, Flaherty lançou uma variedade de álbuns por selos caseiros e artesanais, muitos ao lado de Colbourne _material que se tornou artefato de colecionador. Na última década, seu mais constante parceiro tem sido outro baterista, Chris Corsano, com quem já gravou ao menos uma meia dúzia de duos.
Talvez em resposta aos tempos difíceis, Flaherty é hoje um dos mais prolixos músicos em atividade. Sua extensa discografia ganha rápido corpo ano-a-ano. Somente entre 2008 e 2009, lançou nove álbuns. E, como ainda centraliza seus lançamentos por pequenos selos, muita coisa sua desaparece de circulação em pouco tempo.
Tendo o alto e o tenor como seus instrumentos primeiros, arrisca-se também no soprano e no barítono. As pequenas formações dominam sua discografia: muitos duos, trios, além de três álbuns solos. Um de seus passeios pelo campo solo é o instigante Voices, de 2001.
Energia é a palavra de entrada para demarcar o alcance de Flaherty. Mas não se trata apenas de energia crua e voraz. Certo pendor para resgatar o melódico em meio a turbilhões sonoros marcam seu sopro, como bem pode ser conferido em Voices. No encarte desse álbum, Flaherty diz: ‘I don’t know who I am. That’s where the music...comes alive.’
Como tentar então defini-lo ou enquadar seu som?
Sozinho, Flaherty demonstra nesse álbum que é um músico maduro e inventivo, dono de som próprio, altamente expressivo. Os títulos de suas composições não ecoam no vazio. Preste atenção antes de ouvir. Em “Little Death”, faz o sax alto gemer e lamentar de forma antes só testada por Albert Ayler. “But We Will Keep the Secret”, talvez a mais inspirada faixa do álbum, mostra como pode se partir de uma estrutura melódica para a total livre improvisação, ruidosa, agressiva e impactante. Outro momento que delimita o perfeito diálogo melódico-livre-ruidoso-improvisativo é “Once You Care... You Always Care”, que chega a ecoar certa marcação free-bluesy, a partir da qual o saxofonista apresenta o alcance de suas investigações artísticas. Um disco inspirado, de um compositor maduro que, infelizmente, ainda é ignorado por muitos dentre aqueles que buscam novos rumos sonoros. Vida longa a Flaherty.
1: A Few Moments of Mortal Time
2: Windowed by Her Eyes
3: Song for Bobby Sands
4: Little Death
5: Simple Light
6: You Can’t Go Home Again
7: But We Will Keep the Secret
8: Our Tears Are Always Young
9: Once You Care... You Always Care
Recorded Sept 18, 2001, at PBS studios, Westwood, MA
Muita gente ainda não conhece Paul Flaherty _que também tem soltado seu sopro em formato solo. O saxofonista americano, nascido em Connecticut, em novembro de 1948, encarou uma estrada bastante árdua para se firmar como músico. Fez sua primeira gravação apenas em 78 _ou seja, aos 30 anos_, com músicos de sua cidade natal, com quem formou o grupo “Orange” (que não foi além daquele disco de estreia). A próxima oportunidade surgiria apenas em 82 e, mais uma vez, não o levou muito distante. Após esses inícios sem quase repercussão, as portas se fecharam de vez. Como outros talentos naquela década negra _Charles Gayle, Arthur Rhames..._, perambulou pelas ruas com seu sax, fazendo uns trocados e mantendo sua verve acesa. Com as dificuldades para sobreviver como músico, Flaherty teve de atravessar a década de 80 tendo como emprego principal o de pintor de paredes.
Foi um encontro com o baterista Randall Colbourne que o resgatou para o mundo da música _isso já com seus 40 anos de idade! Com o baterista, gravaria vários discos a partir de 89, sedimentando aos poucos seu espaço como músico radical. Durante os 90, Flaherty lançou uma variedade de álbuns por selos caseiros e artesanais, muitos ao lado de Colbourne _material que se tornou artefato de colecionador. Na última década, seu mais constante parceiro tem sido outro baterista, Chris Corsano, com quem já gravou ao menos uma meia dúzia de duos.
Talvez em resposta aos tempos difíceis, Flaherty é hoje um dos mais prolixos músicos em atividade. Sua extensa discografia ganha rápido corpo ano-a-ano. Somente entre 2008 e 2009, lançou nove álbuns. E, como ainda centraliza seus lançamentos por pequenos selos, muita coisa sua desaparece de circulação em pouco tempo.
Tendo o alto e o tenor como seus instrumentos primeiros, arrisca-se também no soprano e no barítono. As pequenas formações dominam sua discografia: muitos duos, trios, além de três álbuns solos. Um de seus passeios pelo campo solo é o instigante Voices, de 2001.
Energia é a palavra de entrada para demarcar o alcance de Flaherty. Mas não se trata apenas de energia crua e voraz. Certo pendor para resgatar o melódico em meio a turbilhões sonoros marcam seu sopro, como bem pode ser conferido em Voices. No encarte desse álbum, Flaherty diz: ‘I don’t know who I am. That’s where the music...comes alive.’
Como tentar então defini-lo ou enquadar seu som?
Sozinho, Flaherty demonstra nesse álbum que é um músico maduro e inventivo, dono de som próprio, altamente expressivo. Os títulos de suas composições não ecoam no vazio. Preste atenção antes de ouvir. Em “Little Death”, faz o sax alto gemer e lamentar de forma antes só testada por Albert Ayler. “But We Will Keep the Secret”, talvez a mais inspirada faixa do álbum, mostra como pode se partir de uma estrutura melódica para a total livre improvisação, ruidosa, agressiva e impactante. Outro momento que delimita o perfeito diálogo melódico-livre-ruidoso-improvisativo é “Once You Care... You Always Care”, que chega a ecoar certa marcação free-bluesy, a partir da qual o saxofonista apresenta o alcance de suas investigações artísticas. Um disco inspirado, de um compositor maduro que, infelizmente, ainda é ignorado por muitos dentre aqueles que buscam novos rumos sonoros. Vida longa a Flaherty.
1: A Few Moments of Mortal Time
2: Windowed by Her Eyes
3: Song for Bobby Sands
4: Little Death
5: Simple Light
6: You Can’t Go Home Again
7: But We Will Keep the Secret
8: Our Tears Are Always Young
9: Once You Care... You Always Care
Recorded Sept 18, 2001, at PBS studios, Westwood, MA