Rajada alemã: Peter Brötzmann

Peter Brötzmann pertence àquela seleta listagem de artistas que se tornam lenda muito cedo, com a obra ainda em construção. Com o seminal Machine Gun, criou uma peça única e sedimentou a cena free/improvised europeia, alocando-a no mapa mundial. A data: maio de 1968. Tinha 27 anos. Desde então, seus álbuns e projetos se acumulam exponencialmente. Entre solos, trios, quartetos, grupos que co-fundou _como Die Like a Dog, Chicago Tentet, Last Exit, Full Blast, Sonore_, lançou pelo menos uns 150 álbuns. Herdeiro dos mais agressivos saxofonistas _do último Coltrane ao mítico Albert Ayler_, o músico alemão começou a vida artística com a intenção de se tornar pintor, tendo estudado na Academia de Artes de Wuppertal para isso. Circulou com o pessoal do grupo Fluxus e com Nam June Paik. Mas a música acabou por se impor, se transformou em foco central. Antes de gravar seu primeiro álbum, For Adolphe Sax, em 67, participou ativamente da Globe Unity Orchestra, liderada pelo pianista Alexander von Schlippenbach.

Para surpresa geral, o saxofonista alemão esteve no Brasil em 2008, onde se apresentou em trio e mostrou que se mantém no auge da forma: explosivo, explorando vários instrumentos (tenor, alto, clarinete, tarogato), confirmando que sua música é um dos pontos elevados do mundo artístico nas últimas décadas. Com seu grupo 'Full Blast' (Brotz + bateria + baixa elétrico), o alemão espantou muita gente que estava no Sesc, em SP, para ver apenas um “bom show de jazz”. Uma pena. É como se as pinturas de Kandinsky afugentassem aqueles que foram a uma exposição de arte moderna para apreciar, no limite, um Monet...

Apesar de nunca haver editado nada por uma gravadora de maior distribuição, não é tão complicado ter acesso a discos de Brötzmann pelo mundo virtual, especialmente no caso de seus trabalhos mais clássicos. Dessa forma, optei por apresentar aqui dois exemplares fora de catálogo e menos divulgados; ambos de formato mais experimental e, curiosamente, sem bateria.


Last Home foi gravado em agosto de 1990 e traz uma curiosidade: foi a primeira e única vez em que o saxofonista se juntou a seu filho, o guitarrista Caspar Brötzmann, para uma gravação. Caspar é ligado à ala rock experimental/noise e tem como um de seus parceiros F.M. Einheit, da lendária banda industrial Einstürzende Neubauten. A guitarra de Caspar se filia mais à tradição de um Masayuki Takayanagi que aos sons de guitarristas originários da seara rocker. Enquanto Peter se reveza nos saxofones (bass/tenor), clarinete e tarogato, Caspar trabalha sua guitarra elétrica, cheia de efeitos e ruídos, montando a base para a lenda alemã apresentar suas variações sonoras.

Eight by Three apresenta um universo distinto _tão intenso quanto Last Home, mas muito diferente. Aqui Brötzmann se reúne a dois veteranos do free jazz (o pianista Borah Bergman e o saxofonista Anthony Braxton) para criar um álbum singular. Gravado em abril de 1996, Eight by Three apresenta oito composições nas quais os três veteranos instrumentistas mostram o refinamento que sustenta suas improvisações, rejeitadas por tantos por soarem ruidosas demais... Ao piano de intensidade percussiva de Bergman, juntam-se os dois reedmen, alternado-se em uma vasta galeria de instrumentos de sopro, da flauta ao clarineta-baixo. O resultado é sonoramente intrigante e estimulante: o que querem alcançar? como realinhar esses cacos e deslizes sonoros? de que forma acompanhar uma música sem ritmo demarcado e melodia detectável?
Isso ainda é jazz?