Perelman em SP

O público paulistano teve a oportunidade de apreciar mais uma vez o saxofonista Ivo Perelman em ação. Em duas apresentações distintas e marcantes, Ivo mostrou na semana passada um pouco de sua pegada, desenvolvida em 20 anos de carreira. Sua sonoridade mudou muito nesse tempo, especialmente se pensarmos em seus primeiros álbuns _como Ivo, Children of Ibeji e Soccer Land. O contexto e as demandas de seu sopro estão em outro lugar, distante daqueles primeiros passos.

A apresentação de quinta-feira passada (dia 8) foi bastante significativa nesse sentido. Ao lado do baterista Mark Sanders e do baixista Luc Ex, Ivo subiu ao pequeno palco do simpático bar Casa de Francisca para oferecer aos poucos presentes uma seção de improviso no melhor esquema trio-free. Quem presenciou a gig se deparou com momentos de extrema energia espalhados em duas partes relativamente curtas, que não somaram 1 hora de duração. Mas (quase) 1 hora de música extrema como, infelizmente, pouco temos a chance de ver. E não é apenas uma questão de stamina: os três músicos são plenos dominadores da técnica e da arte de seus instrumentos. Nesse esquema, a improvisação não se torna apenas devaneio, mas criação instantânea: são momentos em que entendemos claramente o sentido da expressão Instant Composition.

Curioso que essa foi apenas a quarta vez que Perelman esteve no país _em 20 anos de carreira! Anteriormente, o vimos em setembro de 2006, em duo com o violoncelista Ernst Reijseger; em trio (Dominic Duval no baixo e Dimos Goudaroulis no cello), no Centro da Cultura Judaica em março de 2007; e em junho de 2008, trio com Duval e a violinista Rosi Hertlein, no Masp e no Sesc.


Na Casa de Francisca, foi possível ver o saxofonista acompanhado de bateria, algo que ainda não tinha ocorrido nos palcos brasileiros. E mesmo que Ivo tenha dado preferência ao acompanhamento das cordas nos últimos anos, é com a marcação e a parceria percussiva que seu som atinge os momentos de maior vibração. Se as cordas permitem que seus solos flutuem, nota a nota, aprofundando a percepção de cada gesto delicado que imprime ao sax, a percussão arrasta seu sopro para alturas mais intensas: é como se as batidas na bateria elevassem o nível de resposta a que o músico é intimado durante as improvisações, como se o chamassem de forma mais aguda para compor o quadro sonoro. Ouçam The Hammer, duo com o baterista Jay Rosen, ou Suite for Hellen F., na qual é acompanhado por dois baixos e duas baterias, e sintam o quanto a marcação percussiva fortalece seu sax.

No sábado, no CCSP, o esquema foi outro, mas não menos contagiante. Em três longas improvisações (mais bis), alguns dos representantes mais instigantes da música improvisada atual mostraram o que podem oferecer. A noite começou com o quarteto Speeq, formado pelo insano vocalista britânico Phil Minton, Luc Ex, Mark Sanders e o pianista Veryan Weston (difícil não reparar no desconcerto causado por Minton e seu improviso vocal único). Na sequência, Perelman se juntou aos músicos brasileiros Maurício Takara, Kiko Dinucci e Rogério Martins. Se não faltaram passagens febris, a falta de diálogo e sintonia entre os músicos pareceu evidente em muitos momentos _uma pena. Na última parte, todos os músicos no palco e uma grande jam como raras vezes (infelizmente) temos a oportunidade de apreciar por aqui (pena que o sax e o piano ficaram encobertos, abafados pelos outros instrumentos, em alguns momentos da apresentação). É claro que houve os que debandaram no meio do show, mas isso é inevitável... Quem desconhecia a música improvisada deve ter, no mínimo, se sentido tocado e, quem sabe, motivado a se embrenhar e explorar esse mundo sonoro.

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*Em conversa com Perelman na semana passada, o músico falou um pouco sobre o atual status da música improvisada e do free jazz*:

*São 20 anos de carreira. Em quantos países tocou nesse tempo? Há algum lugar, fora dos EUA, onde o público demonstra ter uma relação mais eufórica com a free music?

Tenho tocado nos EUA, Canadá e praticamente toda a Europa. A Europa central e os países nórdicos apreciam bastante esse tipo de trabalho artístico assim como, surpreendentemente, a península Ibérica, que começa a a ter público e gravadoras especializadas. Acabo de voltar de uma pequena bem sucedida tour pela Espanha com o Freedom Now sextet do baterista alicantino Ramon Lopez.

*Tem visto uma nova geração de músicos free surgindo? Aí nos EUA tem encontrado músicos mais jovens fazendo jazz livre?

Se não especificamente free jazz, se nota o aparecimento de uma linguagem jazzística mais livre, mesmo no discurso do mainstream, bepop ou post bebop _ainda que o free jazz seja para a nova geração material didático a ser aprendido nos colleges de música e não mais uma saída espiritual/estética que salvou a vida de uma geração de músicos afro-americanos nos anos 60.

*O free vive um momento de maior repercussão? Há um novo público atento a esse som?

O free jazz é ainda uma música underground. Mas há várias gravadoras e um grande número de críticos aptos a escrever sobre o assunto em várias revistas e até mesmo em jornais de boa circulação. Há pouco até saiu uma grande matéria no New York Times sobre um festival que a gravadora de vanguarda portuguesa Clean-Feed realizou com sucesso no East Village de Manhattan. No Brasil, tenho sentido que há mais gente interagindo, um público se formando. De uns anos para cá tenho percebido maior repercussão e interesse vindos daí, mais pessoas comentando e sendo tocadas por esse tipo de som.