O dedilhado de Derek Bailey


Derek Bailey (1930-2005) e Steve Lacy (1934-2004). Guitarra e sax soprano. Dois nomes fundamentais da música livre. Europa e EUA. Não foram parceiros constantes, mas se encontraram algumas vezes para criar sons sempre intrigantes e inovadores.
À guitarra, Derek Bailey forma ao lado de Sonny Sharrock e Joe Morris o trio referencial do free jazz e da improvised music. Cada um à sua maneira, esses três músicos deram à guitarra um novo status dentro do cenário jazzístico. Diferente de Sharrock, Bailey não deve nada à seara rocker. Seu dedilhado, tanto acústico quanto elétrico, representa a exploração de uma nova gama sonora: atonal, não-melódica, arritmica, tudo o que não se espera quando se fala em música (ao menos quando se estiver lidando com noções tradicionais de música). As inovações de Bailey tem um significado central: criar sons novos. Muita gente já apontou seu percurso como devedor de certas buscas de John Cage, tendo no horizonte o aleatório, o dadaísmo. Em última instância, o britânico guitarrista é o que melhor representa a improvised music, já relativamente distante da esfera jazzística e atenta às inovações trazidas pela música erudita contemporânea.

Steve Lacy, como poucos, se dedicou basicamente ao sax soprano (se aventurava às vezes pelo clarinete). Esse instrumento de som mais agudo costumou ser a segunda opção de muitos saxofonistas, especialmente os dedicados ao tenor: Coltrane, Wayne Shorter, Pharoah Sanders, Evan Parker, todos seguiram a receita. Já Lacy fez do soprano seu cavalo de batalha. Para muitos, Lacy foi o primeiro saxofonista-soprano moderno (lembramos que o soprano foi praticamente desprezado durante a bop-era), tendo participado ao lado de Cecil Taylor dos primórdios do free jazz. Nos 60s, formou um quarteto com Enrico Rava. Nos 70s, se dedicou a um grupo que contava com sua esposa Irene Aebi, violinista e cantora, e o baixista Kent Carter. E foi nesse período que gravaria ao lado de Derek Bailey.

Bailey organizou na década de 70 uma série de eventos chamada “Company Week”, em que reunia músicos da cena free para encontros inusitados e inéditos. Passaram por lá nomes do calibre de Anthony Braxton, Evan Parker, Han Bennink, Lol Coxhill, Leo Smith, George Lewis e Steve Lacy. Essas apresentações renderam vários álbuns, titulados de Company 1, 2, 3, até a edição 7. Para se ter uma ideia do resultado: Company 2 conta com Bailey, Braxton e Evan Parker; Company 3: Bailey e Han Bennink.
Company 4 trouxe o encontro de Lacy e Bailey. Gravado em novembro de 76, o duo apresenta em seis faixas um trabalho de música improvisada que mostra a amplitude dos conceitos de Bailey e como Lacy podia ser um parceiro frutífero para as ideais do guitarrista britânico. Os dois músicos voltaram a repetir a experiência em Outcome, gravação ao vivo de 1983. Ouvir Bailey significa repensar os limites e as expectativas que nos rondam quando pensamos na guitarra.




A1 Once Upon a Time (12:09)
A2 Abandoned 1 (1:04)
A3 Abandoned 2 (5:16)
B1 Step 1 (3:26)
B2 Step 2 (2:25)
B3 Happily Ever After (12:25)


November 11, 1976; Riverside Studios, London
Steve Lacy: soprano sax; Derek Bailey: electric guitar