Quem estava em SP em outubro do ano passado teve a oportunidade de ver o Art Ensemble of Chicago em ação. Famoudou Don Moye pode necessitar hoje de uma bengala para chegar à sua bateria. Roscoe Mitchell, de um banquinho para descansar entre os solos. Mas o som do Art Ensemble of Chicago mantém a mesma vitalidade de sempre. E isso não é pouco: são mais de quatro décadas de estrada sonoro-criativa.
Os outros músicos originais do grupo ficaram pelo caminho: o trompetista Lester Bowie morreu em 1999. O baixista Malachi Favors, em 2004. Joseph Jarman, o outro saxofonista do AEOC, se exilou em um mosteiro budista nos 90, em busca espiritual. De qualquer forma, para quem viu o AEOC recentemente, com certeza não houve decepção _apesar das baixas...
A gênese do Art Ensemble of Chicago está em um grupo que começou a circular em 1966 e contava com Mitchell, Favors e Bowie. No começo de 69, com a inclusão de Jarman _mas ainda sem baterista definido_, surge o nome Art Ensemble of Chicago. Ainda neste ano, Don Moye se juntaria ao grupo, dando sua cara definitiva. O quinteto se manteve ativo por todas essas décadas. E não no sentido de “atividade” que muitos grupos de rock (e outros gêneros) dão ao termo: esqueça dos Stones tocando outra vez Satisfaction, após 1.000.000.000 de repetições: quem for assistir o AEOC não encontrará resgates de clássicos: o improviso permanece como estrutura primária para esses músicos: criação de sons é o mote; o novo, sempre, é o caminho a ser seguido.
Mais do que apenas um grupo de free jazz, o AEOC está interessado na música negra como um todo. Para eles e o pessoal da AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians, um coletivo surgido nos 60 para difundir, reler e recriar a música negra), à qual os músicos do Art Ensemble eram ligados, o free era (é) apenas uma das faces da “great black music”. E para celebrar a música negra, Roscoe Mitchell e seus parceiros gostavam, principalmente até os 80, de subirem ao palco maquiados e munidos de máscaras e vestimentas afro. Além de seus instrumentos originais, todos tocavam percussão. Cada apresentação era uma celebração da cultura ancestral que sustentava o que acreditavam: o palco como espaço ritualístico: é nessa chave que o Art Ensemble pode melhor ser compreendido.
Tutankhamun, gravado em junho de 1969, é um dos mais antigos registros do grupo, em seus momentos de exploração inicial. Pode não ser tão fantástico como Fanfare for the Warriors, de 73, mas representa bem o que esses músicos estavam buscando. O trabalho de baixo de Favors _que abre o disco com curiosas explorações vocais_ é um dos pontos altos desta gravação. E ‘The Ninth Room‘, com seus 15 minutos, oferece rica oportunidade de apreciar solos de todos os músicos (Don Moye ainda não havia se juntado ao grupo).