PLAY IT AGAIN...



LANÇAMENTOs Novidades de músicos de diferentes países. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...

 



Por Fabricio Vieira

 

Code of Being  ****(*)

James Brandon Lewis Quartet

Intakt Records

James Brandon Lewis sedimentou em anos recentes seu nome como um dos mais interessantes e inventivos saxofonistas e compositores da cena contemporânea. O músico de Bufallo, NY, aparece aqui com o quarteto que editou no ano passado o elogiado álbum "Molecular". Neste novo registro, captado em maio deste ano no Hardstudios, em Winterhur, Suíça, Lewis está mais uma vez acompanhado de Aruán Ortiz (piano), Brad Jones (baixo) e Chad Taylor (bateria). São oito novos temas de Lewis, que bem funcionam para mostrar toda a versatilidade dos instrumentistas e a palpável sintonia fina do quarteto, que vai se firmando como um dos mais sólidos da atualidade. De temas mais relaxados ("Resonance") a pontos mais enérgicos que vão surgindo no decorrer das peças (ouçam o o que acontece no núcleo da belíssima "Archimedean"), Lewis mostra que não faltam ideias em seu arsenal, tanto como compositor quanto como solista. "Per 4" é a peça mais impressionante, com uma linha percussiva de grande robustez, um piano em sua expressão mais abstrata e uma construção solista precisa do sax tenor, criando uma faixa harmonicamente fascinante. Lewis teve em 2021 um de seus mais inspirados anos e com certeza estará, com este ou outro dos trabalhos que editou, em diferentes listas de melhores do ano.

 


Anima Revisited  ****

Matt Choboter

ILK Music

Pianista canadense radicado na Dinamarca, Matt Choboter apresenta este seu novo projeto, o Hypnagogia, em grande estilo. Em sexteto, tem a seu lado Francesco Bigoni (tenor, clarinete), Anders Banke (bass clarinet), Luca Sguera (teclados), Matias Seibaek (vibrafone, percussão) e Jan Kadereit (bateria). Choboter toca piano preparado e de-tuned piano, trazendo sonoridades inusitadas a suas complexas composições. Aliás, certo orientalismo, se assim podemos dizer, emana da música bem-arquitetada apresentada pelo grupo  o gongo balinês tocado por Seibaek ou o janggu, por Kadereit, não são simples exotismos gratuitos, se revelam elementos que ajudam a levar a música a novas fronteiras. Anima Revisited é dividido em 12 partes, faixas que se desenvolvem continuamente, formando um todo único, minuciosamente estruturado. Não é uma música para solistas brilharem, sendo que o que conta mais é a interação grupal. Gravado em agosto de 2020, no KoncerKirken, em Copenhague, o álbum tem uma aura onírica, com um desenvolvimento de tensões variadas, com uma relação harmônica por vezes entorpecente, sufocante, com sopros, teclados e percussão trabalhando como um conjunto que se entrelaça de forma justa e precisa, oferecendo uma música densamente expressiva.        

 


Dawn to Dusk  ****(*)

Chamber 4

JACC Records

O quarteto franco-lusitano Chamber 4 chega a seu terceiro álbum mantendo o frescor e a inventividade que o colocou entre os projetos mais estimulantes da atualidade. Formado pelos portugueses Marcelo dos Reis (guitarra acústica) e Luís Vicente (trompete) ao lado dos irmãos franceses Théo Ceccaldi (violino) e Valentin Ceccaldi (violoncelo), o Chamber 4 apresenta um free jazz camerístico que vai do lírico ao enérgico mantendo uma precisa coerência expressiva. Sem sessão rítmica e sem uma voz líder, o Chamber 4 funciona como um grupo indivisível, que só pode existir a partir da confluência de suas quatro vozes; um ouvinte que se distraia por um momento pode ter a impressão de que ouve uma única voz marcada por nuances. É claro que há momentos possíveis de destaque de uma das vozes, como no arrepiante solo de trompete que vai crescendo lá pela metade de "Dawn", com o sopro cortando o ar enquanto as cordas criam densas camadas que o engolfam. Mais uma vez ao vivo, como em seu título anterior ("City of Light"), o quarteto surge agora em registro de apresentação que aconteceu na Antiga Igreja do Convento S. Francisco, em Coimbra, durante o Jazz ao Centro Festival, em outubro de 2020. Com três temas, em pouco mais de 40 minutos de música, o que Dawn to Dusk oferece é de fato uma obra única dividida em três partes. Apesar do desenvolvimento interno de cada uma das três faixas, é em seu todo que a obra alcança sua plenitude, tendo sido criada para ser degustada sem interrupções.



Road  ****

Fred Frith Trio

Intakt Records

O veterano guitarrista Fred Frith, 72 anos, apresenta neste novo registro duas versões de seu potente trio. Acompanhado de Jason Hoopes (baixo elétrico) e Jordan Glenn (bateria)  que vieram com ele ao Brasil, para o Sesc Jazz, em 2018 , edita este CD duplo. Road tem dois cortes precisos. No CD1, vemos o trio em ação no Stadthalle Köln, durante a Week- End Fest 2019. Aqui Frith, Hoopes e Glenn criam uma peça ("Lost Weekend") dividida em sete partes, totalizando quase 50 minutos de música. Improvisação aberta como costuma marcar o trabalho do guitarrista, carrega as inúmeras vias que caracterizam sua música, com elementos do rock ao free jazz. Como uma síntese do que o trio vem realizando nos últimos cinco anos (percurso que já deixou pelo caminho dois fortes álbuns de estúdio, "Another Day in Fucking Paradise" e "Closer To The Ground"), este registro ao vivo mostra toda a engenhosa ruidosidade que guitarra e baixo arquitetam, dialogando ou duelando, amparados pela inventiva baqueta de Glenn, indo de pontuações climáticas a densas atmosferas. No CD2, o trio recebe duas convidadas especiais, e o jogo sofre uma sensível mudança: em dois temas, está a saxofonista dinamarquesa Lotte Anker; em outras duas faixas, é a vez de a trompetista portuguesa Susana Santos Silva subir no palco com eles. Se o CD 1 já é bastante instigante, o CD 2 traz alguns dos melhores pontos do conjunto. No primeiro e no último tema, "Color of Heat"/"Color of Heart", está Santos Silva, com seu trompete de imaginação sem fronteiras que se integra com perfeição ao trio (como vimos nas apresentações no Sesc); essas são as duas maiores peças do disco todo, com 18 e 14 minutos de sinuosa improvisação coletiva. O primeiro tema começa com vagar, rumando aos poucos para momentos de elevada potência, com vivos solos de trompete e guitarra. A última peça é um pouco mais relaxada, climática, detalhística. Já os dois temas com Anker soam bem distintos, mostrando que a "simples" troca do trompete pelo sax não é algo "simples", realocando as vozes e fazendo com que o trio busque outras formas de interagir e improvisar.  



We Are Electric  *****

Rodrigo Amado Northern Liberties

Not Two Records

Mais um inédito projeto comandado pelo saxofonista lisboeta Rodrigo Amado, o Northern Liberties é um quarteto que coloca a seu lado três artistas noruegueses: Thomas Johansson (trompete), Jon Rune Strom (contrabaixo) e Gard Nilssen (bateria). Este encontro se deu em Portugal, no clube ZDB (palco de muita coisa boa que acontece por lá), em 11 de julho de 2017. Por algum motivo, apenas agora está chegando aos ouvintes  dessa forma, quem não tinha tido a oportunidade de ver o quarteto ao vivo, está se deparando pela primeira vez com essa música. E que música! We Are Electric foi um nome acertadíssimo para o registro, explosivo de cara, som que nos faz pensar automaticamente na expressão Fire Music. São quatro faixas, a começar pela mais extensa, "Spark", com 17 minutos de intensa voltagem. A peça já abre aceleradíssima, com Nilssen puxando o quarteto em velocidade duplicada; sax tenor e trompete já chegam duelando sem muita introdução e em pouco mais de um minuto já estamos tomados por sons múltiplos e cortantes que parecem vir de todos os lados (imagine como foi ao vivo!); quase que inesperadamente, a música chega a baixar o tom, mas não tarda a voltar ao pontos de fervura. Surpreende depois de tamanha intensidade se deparar com algo como "Activity", quase que sussurrante, de uma delicadeza gélida em sua primeira metade, antes de uma vez mais sermos impulsionados pela versão mais potente do quarteto, com um desfecho muito enérgico. "Response", a última peça, é a mais breve, com seus cinco minutos, e soa como um epílogo (talvez tenha sido o bis do concerto); abrindo com o baixo, tem novamente no duelo de sax e trompete, impulsionados demolidora bateria, sua marca de relevo. Excelente e vibrante encontro, que esperamos que traga outros frutos.

 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt, de Lisboa. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)