PLAY IT AGAIN (Made In PORTUGAL)


LANÇAMENTOs
Novos álbuns de artistas portugueses. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...

 



Por Fabricio Vieira

 

 

Vento  ****(*)

José Lencastre/ Hernâni Faustino/ Vasco Furtado

Phonogram Unit

 

Vento marca o nascimento de um novo selo, o Phonogram Unit. O projeto é de um grupo de músicos portugueses bastante conhecidos por quem acompanha a cena do país, a ver: José Lancastre, Hernâni Faustino, Vasco Furtado, Jorge Nuno e Rodrigo Pinheiro. “O nosso principal objectivo é lançar trabalhos em que estejamos envolvidos. Temos todos diferentes projetos, uns já existentes e outros ainda só na cabeça, que gostaríamos de apresentar. A editora surge para já para divulgar trabalhos onde pelo menos um dos cinco envolvidos esteja presente. No futuro, quem sabe isso possa mudar”, disse Lencastre em entrevista ao site “Rimas e Batidas”. Neste álbum de estreia, vemos em ação um trio formado por Lencastre (sax alto), Faustino (baixo) e Furtado (bateria). O álbum agora editado foi captado em novembro de 2018, no Fisga Studio, em Lisboa. São seis temas, em pouco mais de 50 minutos de improvisação livre de altíssimo nível. Um trio justo de sax-baixo-bateria que não renega suas heranças free jazzísticas e apresenta uma sonoridade sólida e envolvente, indo dos momentos mais enérgicos de “Test Drive” aos segmentos mais contemplativos, quase minimalistas, de “Ruínas”. O novo selo será dedicado à música improvisada, experimental e eletroacústica.

 

  

Anthropic Neglect  ****(*)

José Lencastre/ Jorge Nuno/ Felipe Zenícola/ João Valinho

Clean Feed

Este novo álbum que está sendo lançado pelo Clean Feed traz um potente quarteto em seu primeiro registro. Fruto de encontro que aconteceu em 23 de dezembro de 2019 em Lisboa, Anthropic Neglect apresenta os locais José Lencastre (sax alto), Jorge Nuno (guitarra) e João Valinho (bateria) em grupo ao qual se uniu o baixista carioca Felipe Zenícola. A reunião se deu no Namouche Studio, sob os cuidados do sempre competente Joaquim Monte. O resultado é uma sessão de improvisação livre de quase 40 minutos, repartidos em três partes (todas chamadas “Concept”). Para quem acompanha o trabalho de Zenícola desde quando seu trio Chinese Cookie Poets começou a chamar atenção, uma década atrás, é empolgante vê-lo nesse projeto do outro lado do Atlântico, ao lado de músicos que têm ajudado a esquentar uma das cenas mais vivas da free music contemporânea. A fusão dos elementos acústicos (sax e bateria) e elétricos (guitarra e baixo) funciona de forma harmônica em meio a seus contrastes, criando particularidades expressivas que ajudam a demarcar a singularidade do grupo. “Concept 1” abre o conjunto com certa letargia, com as cordas soltando linhas rascantes e espaçadas e sendo respondidas pelo sax, que vem e vai enquanto a percussão vai demarcando os rumos sobre os quais os outros vão vagueando; esse clima introdutório conduz os primeiros minutos, até que a música encorpe, com um solo mais agressivo do sax lá pela metade da peça. “Concept 2” tem forte marca em uma pulsante e infinitamente repetitiva linha do baixo, que mantém a tensão e vai sendo entrecortada pelas ruidosidades da guitarra e o discurso incisivo sem ser agressivo do sax – esta faixa é o núcleo e a que parece melhor representar as particularidades do quarteto. Espera-se que não tenha sido apenas um encontro de ocasião e que venham outros rebentos do grupo!

  

 

Jupiter and Beyond  ****

Rafael Toral / João Paes Filipe

three:four records

Após “Saturn” (2016), Rafael Toral e João Paes Filipe têm nessa nova parceria um outro astro no horizonte, Júpiter, o gigante planeta gasoso. Toral, nome destacado na exploração de dispositivos eletrônicos, regressa aqui, após muitos anos, à guitarra (toca também um MS-2 amplifier), em um diálogo para o qual o percussionista Paes Filipe traz bass drum, gongos e sinos. Essa particular instrumentação é utilizada na gestação de duas extensas peças, com cerca de 20 minutos cada, nas quais o duo explora atmosferas muito particulares. A música de nebulosas texturas e entorpecentes sonoridades nos leva a estranhos rumos, nos quais a temporalidade e o espaço parecem se diluir, nos remetendo a um universo gasoso, mutante. Feita para ser experimentada como uma peça só, os dois temas de Jupiter and Beyond se completam e devem ser ouvidos sequencialmente, em uma viagem única com uma breve parada (que talvez exista apenas por o álbum estar sendo editado também em vinil). A densidade da massa sonora exibida, com ondulações durante a escuta, recebe uma intromissão percussiva mais intensa a partir da metade do segundo tema, elevando a tensão e o impacto da música. 

 


Queen Triot  ****

Maria do Mar/ Marie Takahashi/ Rodrigues/ Espvall/ Valinho

Creative Sources

A força de uma cena artística também se revela pelas parcerias internacionais que gera. Este álbum é um bom exemplo disso. Estão reunidos neste quinteto três artistas portugueses – Maria do Mar (violino), Ernesto Rodrigues (viola) e João Valinho (percussão e piano) –, uma violoncelista sueca (Helena Espvall) e uma violista japonesa (Marie Takahashi) radicada em Berlim. O encontro do quinteto se deu em novembro de 2018 no sempre presente Namouche Studio (Lisboa). Da sessão de improvisação livre, saíram nove temas, material esteticamente bastante representativo do que o Creative Sources se propõe a oferecer. O quarteto de cordas (mais percussão/piano) apresenta uma música camerística que se desenvolve continuamente, como que dividida em movimentos (que oscilam entre três e oito minutos), que vão apresentando possibilidades discursivas distintas, mas complementares. É uma música de múltiplas vozes que trabalham em conjunto visando um todo, com a atuação de Valinho também se integrando harmonicamente, mesmo sendo a voz “de fora” do coeso grupo de cordas.

 

 

Pliable  *****

In Layers

FMR Records

O quarteto In Layers, colaboração internacional que reúne os portugueses Marcelo dos Reis (guitarra) e Luís Vicente (trompete) ao holandês Onno Goevart (bateria) e ao islandês Kristján Martinsson (piano), chega a seu segundo disco. Captado ao vivo em maio de 2018 no Salão Brazil, em Coimbra, o álbum apresenta seis novos temas, em cerca de 40 minutos de música. Como em seu disco de estreia (“In Layers”, 2016), vemos aqui uma intensidade ascendente, uma tensão que vai ganhando corpo com o andar do álbum. “Supple” abre o registro com o trompete à frente, com Vicente desenvolvendo linhas profundas e espaçadas, por sob as quais guitarra, percussão e piano vão tateando com cautela, criando um clima de entorpecimento que só vai ganhar pressão passados uns cinco minutos. “Malleable”, o tema seguinte, já chega com outra pegada, com o piano mais solto e presente e o trompete já cortando o espaço sem espera, para logo chegarmos a um solo de guitarra (tudo isso em um minuto e meio de música!). Já “The Whippy”, a mais extensa com seus nove minutos, parece ser também a mais democrática, onde todas as vozes do quarteto têm espaço para brilhar, com solos pontuais ou interações mais equilibradas e intensas. Apesar de relativamente novo, o In Layers, com este novo título, se firma como um dos quartetos mais inventivos e potentes da atualidade.

 

 

The Same Is Always Different  ****(*)

Susana Santos Silva

Independente

Após o muito elogiado All The Rivers (Clean Feed, 2017), era bastante aguardado um novo registro solo da trompetista Susana Santos Silva. E eis que isso acontece como decorrência da pandemia: isolada em seu quarto, no mês de abril, a instrumentista desenvolveu novas ideias solistas, reunidas depois para formar este The Same Is Always Different. O título remete à repetição cotidiana à qual fomos submetidos pelo isolamento social, que acaba, ao final, nos expondo às pequenas diferenças que podem se revelar no mesmo. As fotos da capa e as que acompanham cada faixa foram tiradas da sacada do apartamento dela; a mesma vista sempre oferecendo novas perspectivas. “Normally time flies so fast that the details can´t even be seen. If one slows everything down, what a myriad of small preciosities will, all of a sudden, exist. A world of endless curious mysteries will unfold. The same is always different. And those differences, all together, create a transcendental oneness”, diz a trompetista. Composto de cinco faixas, com cada uma nominada a partir de uma palavra do título do disco, mostra outras faces da arte solística de Santos Silva, possibilidades distintas das reveladas anteriormente em All The Rivers. Obrigatório para quem acompanha a obra dessa genial artista.     

 

 

No Gravity  *****

João Lencastre

Independente

Liderado pelo baterista João Lencastre, esse trio de Lisboa traz uma fresca música unindo elementos acústicos e eletrônicos. Ao lado de Lencastre (bateria e percussão eletrônica) estão Rodrigo Pinheiro (piano) e João Hasselberg (baixo acústico e elétrico, eletrônicos) – os três são membros do quinteto Parallel Realities e, de certa forma, o trio amplia e dialoga com as propostas do outro grupo. A sessão realizada em fevereiro de 2020, no Timbuktu Studio, apresenta nove peças. São temas que se revelam bastante climáticos, com tensões oscilantes que podem soar desde atmosferas de devaneio até pontos sufocantes (como em "Harnessing Fear"). A partir da exploração eletroacústica proposta, os músicos conseguem abrir as possibilidades primárias ligadas ao formato piano-baixo-bateria, gestando uma música por vezes surpreendente. Se a breve "Slam Dance" tem uma visada free jazzística mais direta, a mais extensa faixa-título adentra um campo minimalista, feito de pequenos fragmentos que vão se unindo para criar um espaço muito particular, de suspensão temporal (e gravitacional?), em que o piano vai nos conduzindo pelas estruturas sutilmente demarcadas pela percussão, em um resultado encantatório. No Gravity é um disco de muita inventividade, que aponta para novas perspectivas na free music e nos deixa com vontade de ouvir o quanto antes o seu próximo capítulo.    

 

 

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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)