R.I.P. O trompetista japonês Toshinori Kondo, que levou seu instrumento a transitar por novas fronteiras, sendo um dos nomes referenciais da música criativa, estava com 71 anos...
Por Fabricio Vieira
Imagino que não sejam poucas as pessoas que descobriram o trabalho de Toshinori Kondo no quarteto Die Like A Dog, formado ao lado de Peter Brötzmann, William Parker e Hamid Drake em meados da década de 1990. Mas a carreira de Kondo começou muito antes, quando ainda era um jovem músico tentando se integrar à cena free jazzística japonesa nascente, que vivia um momento de ebulição criativa no início da década de 1970. Seus primeiros importantes registros datam de 1976, com o "Jam Rice Sextet" (ao lado de nomes como Akira Sakata e Yosuke Yamashita) e o trio "Evolution Ensemble Unity", que montou em 1975 com o saxofonista Mototeru Takagi (1941-2002) e o baixista Morio Yoshida, deixando um solitário inventivo registro ("Concrete Voices"). Fundamental na trajetória de Kondo seria sua decisão de passar uma temporada no exterior, em 1978, primeiro os Estados Unidos, depois a Europa. E o trompetista não tardou a se integrar às cenas free locais, tocando e gravando com artistas como Andrea Centazzo, Derek Bailey, Henry Kaiser, Paul Lytton, a Globe Unity Orchestra, John Russell, Roger Turner e John Zorn. Foi nesse período que nasceu um importante registro seu, o álbum de trompete solo "Fuigo From A Different Dimension" (79), com temas captados em Paris, Bolonha e Nova York (cidade na qual fez os primeiros experimentos com o trompete eletrificado). Provalvelmente Kondo foi o artista japonês que mais gravou com estrangeiros entre os anos de 1979 e 1983. É nesse período ainda que toca pela primeira vez com Brötzmann, no álbum "Alarm" (83).
Muitos se lembrarão do trompete eletrificado de Toshinori Kondo como uma de suas marcas mais diferentes, especialmente a partir do trabalho com o Die Like A Dog. Mas Kondo era mais ousado e eclético que isso, tendo inclusive expandido suas investidas para além do espaço mais duro do free jazz/free impro. Em meados dos anos 80, criou um projeto de "future jazz", com elementos fusion e funk, chamado IMA. Foi com esse grupo, formado apenas por artistas japoneses quando ele regressou para Tóquio em 1984, que Kondo passou a trabalhar de forma mais focada o trompete eletrificado (famoso depois por sua utilização no Die Like A Dog). Após o IMA, outras fronteiras seriam exploradas pelo trompetista, com destaque para a bem-sucedida parceria com o DJ Krush nos anos 90 ("Ki-Oku", 96). A música produzida por Kondo em pouco mais de quatro décadas de atividade, aberta a diferentes possibilidades e expressões, pode ser encontrada em mais de 150 álbuns. Em 2014, ele criou seu próprio selo, o TK Recordings, para distribuir sua música. Segundo ele, foi levado a isso depois de contabilizar que tinha música inédita para preencher uns 40 discos e que provavelmente ninguém se interessaria em lançar isso tudo.
"What I wanna do in music is very simple. Let’s make the 21 st Century’s music!. This is it! The 21st Century must be different from the 20th Century. We forgot how to live together with Nature in last century. Nature is the source and origin of all lives. But our human-centric society lost it. Our human beings must communicate more with Nature, Earth and Space. The 21st Century’s music will appear with the trinity of Nature-Spirit-Technology", disse Kondo em entrevista, em 2015, ao site polonês Polyphonia.
Em meio ao isolamento provocado pela pandemia global, Kondo vinha desenvolvendo um projeto solo, "Beyond Corona". Lançou o primeiro volume do projeto em maio e seguiu com outros nos meses seguintes; o quinto havia acabado de sair, no dia 10 de outubro. Toshinori Kondo faleceria pouco depois, de causas não divulgadas, no último dia 17, aos 71 anos de idade.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)